quinta-feira, 5 de junho de 2014

Inclusão e Cancro


Quarta-feira, 4 de Junho de 2014

Há um ano atrás, estava eu bem mais debilitada e condicionada na minha vida, a fazer o último cíclo de quimioterapia, e, mesmo assim, achava de certa forma exagerado que me fosse atribuído um atestado de 60% de incapacidade durante 5 anos. Andava coxa mas não era deficiente (não que houvesse problema se fosse, mas não era). Hoje, bastante mais forte fisicamente, vejo a coisa de forma completamente diferente.

Trabalho na área da inclusão, com pessoas com deficiência, há 6 anos e vejo-me dia após dia a viver na primeira pessoa a experiência da necessidade de integração e inclusão na vida activa. Cada vez embirro mais com esta expressão que teimo em utilizar - vida activa - como se a minha vida fosse passiva fora dos trâmites sócio-profissionais que todos conhecemos... Não sei se a experiência é diferente para quem fica desempregado, tem um acidente, perde todos os bens que tinha, perde familiares ou sofre outra catástrofe qualquer, mas a verdade é que, apesar de continuar a ser eu, reencontro-me de outra forma, noutro sítio, com uma vida imposta pela realidade do pós-cancro-com-muita-quimioterapia-nas-veias-e-muitos-neurónios-a-menos.

As dificuldades continuam um ano depois, os efeitos secundários ainda se fazem sentir, sejam eles físicos ou emocionais, e o rescaldo é mais deprimente do que o incêndio em si: sem fogo e sem nada do que um dia foi (com muitas outras coisas porém, mas diferentes).

Por todas estas razões, faz-me todo o sentido que, numa sociedade inclusiva, haja benefícios que facilitem a reintegração dos doentes oncológicos a todos os níveis, afectivo, familiar, social e profissional. Há um ano atrás eu dizia que não estava diferente, estava apenas pior, no sentido em que toda a experiência me tinha feito renovar todos os meus votos com a vida, com todas as minhas convicções. Hoje digo que, sim, há diferenças... e há diferenças que me fazem ir devagar, respeitar o processo e aceitar que um ano é o tempo que é para a experiência que foi, nem mais nem menos. Sem nunca parar o caminho porque o caminho não se faz parar.

Obrigada por me permitirem passar à frente no banco, no Centro de Emprego, na Segurança Social, no Registo Civil... Com tanto desafio em tão pouco tempo, é mais organizador para o meu cérebro que assim seja, porque tempo já perdi muito em salas de espera e hibernamentos. Coisas estranhas que nós, ocidentais, perdemos: tempo! Alguém que nos ensine que o tempo não se perde, mas encontra-se... e encontra-nos...


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