quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

 
Já na última hora do ano, chega o derradeiro post de 2014! O balanço, as projeções, as resoluções...
 
 
Estive para chamar a este post "Adeus 2014 (já vais tarde)!", mas depois achei que seria ingrato. Ou eu é que estaria a ser ingrata. Há duas verdades aqui: consegui muitas coisas em 2014; este ano já deu o que tinha a dar.
 
 
Em Setembro tinha uma lista de resoluções que não consegui cumprir até agora e, por conta disso, andava um bocadinho frustrada. Por que carga de água se começa um ano letivo e por vezes de trabalho e projetos em Setembro, quando as folhas começam a envelhecer, quando a natureza pede reflexão e, por fim, recolhimento?
 
 
De alguma forma, dei por mim muito entusiasmada com o 2015, como se tivesse levado uma injeção de energia, com um plafond de 12 meses, para ser tudo aquilo que eu quiser! É verdade que todos os dias temos esta oportunidade mas todo um novo ano é muito mais estimulante!!!
 
 
Dediquei-me na temporada das festas, entre celebrações e trabalho, a compor a minha casa, torna-la mais minha (é alugada, com móveis emprestados) e a pensar nas coisas que quero pôr em andamento já em Janeiro e que têm andado empatadas. Neste movimento de arrumação e composição do meu espaço atual, a minha "casa interior" também se foi arrumando e fui-me dando conta do caminho que já percorri e sobretudo de onde venho.
 
 
As fotografias que ilustram este texto remontam às "boas festas" de 2012, que passei no IPO. Não deixei de ter um Natal à seria com toda uma janela decorada pela equipa dos "amigos do melhor", com árvore de Natal, presépio, anjinhos, presentes e tudo o que tinha direito. E os meus pais até à meia-noite. Na noite de passagem de ano já estava a morfina.
 
 
2013 foi o ano de tratamentos e recuperação. 2014 foi o ano de recuperar a minha vida. Recuperar, reconstruir, reinventar, redescobrir, reMISSÃO.
 
Em 2014 voltei ao trabalho, a ter rendimentos e uma casa por minha conta. Fiz formação, frequentei congressos, tertúlias, workshops e eventos que me inspiraram para continuar a cumprir a minha "curação" e contribuir para a "curação" do mundo. Dar aulas de pilates, gerir o blog, grupos expressivos e terapêuticos, coordenar projetos de responsabilidade social, dançar, voltar a pisar o palco, assistir pessoas com cancro no processo de diagnóstico, tratamentos e recuperação... Conheci tantas pessoas fantásticas! Ao mesmo tempo, a lidar com todos os desafios que o corpo ainda impõe, com sintomas novos que me fazem questionar todos os dias, cheia de medos e dúvidas, a confrontar a rita com uma nova rita, física e cognitivamente mais lenta, desmemoriada, a fazer "asneiras" a torto e a direito, a fazer o luto da vida que um dia tive e que não voltarei a ter, a celebrar a nova vida que posso ter e nunca tive antes. Tanta coisa e tudo muito.
 
Por tudo isto, obrigada 2014 e, por tudo isto, adeus 2014! Chiça que a vida dá voltas e voltamos sempre ao início! Mais crescida, mais consciente, mais cabeluda. Grata a quem me acompanha, aqui na terra e lá em cima no céu! Continuo a precisar da vossa ajuda. Sempre.
  
 
Dezembro 2012 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014


 
Hoje é Natal. O Natal, como a vida, são dois dias. O Natal é 24 e 25 de Dezembro, quando o homem decidiu que fosse, mas não é quando o homem quiser. Ok, ok, são dois meses, Novembro e Dezembro (e até parte de Janeiro)...
 
No Natal, o espírito solidário está ao rubro. Partilha, dar e receber, família, amor e tolerância são palavras de ordem. Há quem exerça o espírito crítico dizendo que não devia ser só no Natal, como se este movimento fosse de alguma forma hipócrita ou incongruente com o que se passa no resto do ano. Se as campanhas de solidariedade fossem todos os dias e o Natal todos os dias fosse, passavam despercebidos e não teriam qualquer impacto. Não sei com que pessoas se dão ou que pessoas são, mas eu tenho a sorte de me dar com pessoas fantásticas o ano inteiro. O Natal não inventa amor e solidariedade nos corações de quem não os tem.
 
Hoje não quero falar de amor nem de felicidade, mas de desamor e infelicidade. No Natal, os ódios podem acalmar mas dão lugar à tristeza e à segregação de quem não se sente preparado para perdoar (e está tudo bem não conseguir perdoar nas datas convencionadas). No Natal, a saudade aperta para quem está longe ou não tem junto de si quem ama para abraçar, quem perdeu entes queridos até outras núpcias. O Natal não é partilha para quem está sozinho, pode não ser celebração para quem está doente e esta pode ser uma noite infeliz para quem está triste.
 
O Natal é aquilo que somos. Torna-se tudo mais claro. O amor ganha highlights. A tristeza aparece. Os conflitos vêm à tona. As aparências continuam a iludir quem já vive de aparências o ano inteiro. Qual é a diferença? É que no Natal temos a oportunidade de nos focarmos na alegria, no amor e nos laços que nos unem ou reúnem. Não, o Natal não faz desaparecer as nossas coisas más, mas diz-nos que temos coisas muito boas (se as tivermos, claro!).
 
Há quem escolha não celebrar o Natal e viver muito irritado com a confusão e o circo montado à volta da temática. Seja como for que escolhas viver esta época, ela está aí e cabe a cada um de nós fazer precisamente escolhas: como vivê-la, como manifestar as emoções que vêm à tona, como lidar com confrontos inevitáveis, que valores alimentar, que intenção pôr nestes dias e nos rituais que lhes pertencem. E agradecer.
 
A minha família é igual a ela própria neste Natal, sem tirar nem pôr. Estamos juntos e temo-nos uns aos outros. Não tem defeitos, tem feitio! Hoje é dia de celebrar isso.
 
- Então já descobriu se tenho razão? O meu marido anda a enganar-me, não anda?
Pensei que aquilo ia correr mal. O marido iria reagir violentamente e complicar-se-ia tudo. Mas não.
- Pode dizer à vontade, estou preparado para ouvir seja o que for - disse ele, com o ar mais cândido do mundo.
Entre a irritação e uma enorme vontade de me rir, balbuciei:
- Eu não sou bruxo e, se fosse, guardaria para mim tamanho segredo.
- Ao fim deste tempo todo, ainda não descobriu a verdade? Os psiquiatras sabem perfeitamente o que nos vai na cabeça, são treinados para isso, não conseguimos viver com esta dúvida.
Por um momento, senti que estavam a gozar comigo. Passaram-me pela cabeça os pensamentos mais incríveis. "Andei a tirar um curso de medicina para agora falar com casais bizarros e nem sequer lhes receitar nada..."
Mas não os desiludi.
- Têm razão, eu adivinho o que pensam - disse-lhes.
Respiraram de alívio.
- Bem nos parecia que estava a brincar connosco. Diga, diga!
Foi quando lhes disse o que precisavam de ouvir.
- Não sei se se enganaram um ao outro, mas tenho a certeza de que se querem lixar um ao outro. Não têm vergonha de vir para aqui tentar apanhar pedras para atirar à cabeça do parceiro. Querem sair daqui ou com um infiel que tem de ser castigado ou com uma louca que tem de ser internada. Sabem bem que não adivinho coisíssima nenhuma. Se não conseguem animar a vossa vida de casal sem umas pedradas, talvez possamos, em conjunto, arranjar umas situações menos dolorosas...
- Oh senhor doutor, mais excitação não, que já não vou para novo e a minha mulher desde que isto começou quer que lhe prove todos os dias que gosto dela. Parece outra, nunca foi tão bom.
Ela fez um sorriso de orelha a orelha.
 
(José Gameiro, in "Até que consigas voar")
 
Cada família constitui um sistema dinâmico, com vida própria. Seja qual for, é vida e a vida é de celebrar. É Natal, é Natal! Que todos descubramos formas cada vez mais positivas de animar os nossos dias e o mundo em que vivemos!
 
 
a aproveitar o sol fantástico que a Natureza nos trouxe no dia 24! com os olhos congestionados mas feliz.

sábado, 20 de dezembro de 2014

 
Na era dos blogues, do empreendedorismo, dos likes e dos cliques, celebramos hoje as cerca de 30000 visualizações. Que significa isto ou por que diabo ou anjinho isto deve ser significativo?
 
Recuperando o conceito deste projeto que partilho na descrição do facebook, "CurAção é partilha de ações no sentido da cura. Da minha e da tua", uma visualizAção, uma leitura, um comentário, um like, uma partilha diz(em)-me que o que escrevi tocou a vida, o sentir e o pensamento de alguém, que por sua vez me faz saber que não estou sozinha neste processo.
 
A internet, a globalização, o estarmos "sempre ligados" tem de constituir uma mais valia para a comunicação, a união e a mudança em pessoas, organizações e culturas.
 
Se te encontras num processo de cura, estamos nisto juntos ainda que individualizados. Uma visualizAção constitui por si só uma ação no sentido da cura. Da minha e da tua.
 
Este blog já está justificado pela minha vontade de o ter e pela minha dedicAção, mas a média de cerca de 60 visitas diárias seguramente valida este caminho que todos os dias questiono, reavalio e repenso. Quando duvido, basta saber-me que uma pessoa se sente ajudada, acompanhada ou inspirada pelo que escrevo e faço para querer continuar. E há tanto por fazer e a ser feito!
 
Obrigrata!*
 
*estava indecisa entre obrigada e grata

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

 
 
No âmbito da parceria com a Arte Move na área da responsabilidade social e porque a dança pode ser solidária, o projeto CurAção apoia mais uma iniciativa da Academia de Artes situada em Cascais, desta feita o sorteio de Natal no qual uma rifa vale uma dança.
 
O valor angariado reverte a favor do Centro de Apoio Social do Pisão (ao abrigo da Santa Casa da Misericórdia de Cascais), instituição que acolhe adultos com patologia psiquiátrica e que precisa da nossa ajuda na angariação de gorros, chapéus de chuva, luvas e cintos para fazer frente a este Inverno.
 
Se comprarem uma rifa, habilitam-se a ganhar uma mensalidade na Arte Move ou um artigo de dança da Ballet Shop, no valor de 49€. Também aceitamos donativos em géneros para o caso de quererem contribuir dessa forma.
 
 
Queres dançar?
 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


Lançamento do livro: "O meu cancro morreu e eu renasci" de Sandra Matinhos
Local: Castelo - Faro

Antes de ler o livro

A Sandra Matinhos teve um cancro da mama há seis anos atrás. A Sandra tem aquela luz das pessoas que andam por aqui com intenção, alegria e gratidão. O cancro levou-lhe "outros cancros", como diz, e trouxe-lhe novas pessoas, novos desafios, novos sonhos e uma nova vida. Mas talvez seja melhor dizer que ela pôs o cancro com dono e que das suas cinzas redesenhou toda uma Sandra renovada. É esta assertividade que se sente na força das suas palavras e na sua linguagem corporal. Se o cancro mata, matou o que tinha de matar, para fazer ressurgir o que haveria de renascer. E se o cancro mata, também morre. Nem sempre a morte associada ao cancro tem de ser literal, mas morre de facto muita coisa nossa.

"Eu vivo em amor e em gratidão", são as suas palavras espelhadas no brilho dos seus olhos. Do amor à solidariedade foi um passinho e surgiu o seu projeto, a Associação Partilhas e Cuidados, com sede em Faro e extensão em Lisboa, instituição que se dedica especialmente às "pessoas oncológicas". 

Depois de ler o livro

Fiz questão de fazer este exercício de sentir o que mudava em mim depois de ler a Sandra, porque esse é o meu maior contributo de leitora para futuros leitores. É um testemunho, uma verdade, uma aprendizagem, um crescimento. Até a escrita e o sentir vão num crescendo, da dor ao amor.

Subimos de patamar a cada desafio que deitamos abaixo, com a coragem que nos exige viver. Revi-me na coragem, na rebeldia, na procura de respostas fazendo muitas perguntas, no medo, nas marcas que ficam, no sentido de missão, na fragilidade, no profundo respeito pela vida, na alegria, na dor. No amor e no desamor. Da criança interior que deixamos que apareça para a mulher que permitimos que renasça. Olhos nos olhos. De mão dada, criança e mulher. Eu, tu, nós e elas, as outras mulheres no caminho. Que cada pessoa que te leia se permita viajar pelo mundo dos seus grandes duelos, frente a frente com os seus fantasmas. Espelho meu, espelho meu, quem é mais EU do que eu?



Ao virar o foco da transformação para mim, de modo a conhecer-me, amar-me e aceitar-me, fez-me perceber que a minha energia positiva e força de viver nunca me deixaram parar e inspiram-me para renovar a cada dia o meu acordar com uma gratidão imensa. Com tudo isto, tenho de salientar um facto muito importante: é que, de certa forma, sei que assim também contagio positivamente quem me rodeia. Afinal, está tudo ligado! O amor e o perdão são as sementes essenciais para a cura do Universo. 
 
E, meus amigos, quer acreditem ou não, são estas viagens forçadas que nos fazem entrar no mundo do desconhecido e que acionam o nosso botão start que resulta, inevitavelmente, no início da nossa transformação pessoal.

(Sandra Matinhos)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

sábado, 13 de dezembro de 2014

 
Hoje diziam-me os meus pais que eu acreditei no Pai Natal até muito tarde, que eles nunca punham os presentes na árvore e só os faziam aparecer debaixo da chaminé à meia-noite, sem eu ver. Não havia como questionar. Santa inocência! Guardei as perguntas todas para a idade adulta!
 
Entretanto, para provar que eu já era o que sou antes do cancro, resgatei a minha carta ao Pai Natal de 2008 porque continuo alinhada com o que escrevi nessa altura.
 
Acrescento que, para o Natal de 2014, quero, para além de tudo isto que vão ler, vouchers de livrarias porque eu tenho na minha lista de desejos um saco de Pai Natal cheio de livros para pôr ao serviço do projeto CurAção e das pessoas e dos grupos que quero continuar a apoiar no seu caminho de autoconhecimento, bem-estar, crescimento e cura.
 
 
dar arrepios de vida nos sustos de morte... ?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014


Ontem fui pela segunda vez assistir a uma palestra do projeto Girls Lean In. Já tinha ido o mês passado conhecer a história da Catarina do Ties Project, blog que sigo agora com atenção, e ontem fui conhecer a Carolina da Sapana. Não vos vou falar destes três projetos. Vou-vos dizer o que trouxe de mim do encontro de ontem. Encontro traduz-me melhor o que vivenciámos do que palestra.

A Carolina não falou da Sapana, falou dela. Não vou falar dela, vou falar de mim. É este o poder da inspiração. Portanto, se não querem questionar ou "mexer" nas vossas coisas, não vão ao Girls Lean In!

Já disse aqui que sou uma pessoa de perguntas e não de respostas, assim como sou uma pessoa mais de ouvir do que de falar, o que não quer dizer que não responda e não fale, mas que aprendo mais a questionar e a ouvir.

Sou uma insatisfeita feliz, diria eu, porque a minha definição de felicidade está na ideia de me cumprir e ser EU e porque as dúvidas e os medos são para a vida toda. A vida é impermanência e, como tal, emoções, mudanças, eventos, pessoas e afins fazem parte mas não determinam a minha felicidade ou infelicidade porque eu sei que estou no caminho em que tenho de estar, o mEU. Infeliz era eu quando achava que estava no planeta errado, quando pensava que devia ser diferente do que era e quando dividia o mundo em defeitos e qualidades, defeitos em mim e qualidades nos outros. Já estive aqui. E vou revisitando este sítio de vez em quando - oh, tantas vezes! - para não me esquecer de onde quero estar.

As respostas são ótimas para trazerem mais perguntas! Aprendi com a doença que, se não for eu própria, vou andar pela vida a marcar passo ou, na melhor das hipóteses, desencarno em três tempos porque o mundo não vai ganhar nada em ter-me por aqui. Aprendi que, se nasci inconformada, não convencional e "a ver coisas que os outros não vêem", é porque é exatamente esse o meu contributo. Se ainda assim não nasci com energia masculina, marciana e guerreira suficiente para ir para a rua fazer a revolução, porque tenho uma natureza demasiado conciliadora e sofro muito com conflitos, é porque é exatamente assim que o mundo precisa de mim, para plantar sementes no pensamento e apaziguar corações. Porque a minha grande revolução é interior.

A Carolina vem de Marte e foi esse o seu maior contributo para o meu caminho. Primeiro assusta-me e depois conquista-me. Lágrimas e sorrisos. Fracassos e sucessos. Pontos frágeis e potencialidades. Se fizesse uma análise SWAT da Carolina ou de mim mesma ou de cada pessoa que estava naquela sala, o resultado seria diferente mas a magia seria a mesma, a de o poder estar do lado de quem sonha, porque a paixão é provavelmente a peça que falta a quem se sente sem alternativa e sem rumo. E não ter rumo também faz parte do caminho de quem tem rumo.

A vida é tão difícil e assustadora como mágica para quem se inclina e arrisca. Despertar consciências e empoderar está na missão da Carolina, chame-se Sapana ou outro projeto qualquer. Quem descobre quem é já não pode ser mais ninguém. Quando a missão é visceral e também nos define, é difícil estabelecer fronteiras como tempo e espaço. Intemporal. Impagável. Imaterial. Imaginável. Inorme!

Grata! Obrigada Carolina, Andreia e Inês, por me devolverem tudo isto!








quarta-feira, 10 de dezembro de 2014


(imagem Google)


E no dia 7 de Dezembro de 2012, lá fui eu para casa, com o Cancro, um inquilino novo na minha vida! E com uma boa de uma dor de dentes!

Durante o fim-de-semana fiz uma sessão de limpeza do cólon e fui a uma urgência no dentista, que disse que não podia fazer nada, mas a fazer teria de ser antes da quimioterapia. As crises de dores no corpo acalmaram e as hipóteses permaneciam em aberto, até ao dia 10 de Dezembro, dia em que entrei no IPO.

Faz hoje dois anos que conheci a Dra. Francesca, fui brindada com uma pavorosa biópsia à medula, um diagnóstico de linfoma não-hodgkin estadio IVB - acho que no Hospital de Cascais me devem ter dito estadio inicial para me ir mentalizando - e fui internada para entrar no filme mais marado da minha vida. Tudo neste dia 10.

Não queria ficar internada, queria saber outras opiniões, consultar a medicina alternativa, pensar, sentir e processar o que estava a acontecer, mas disseram-me que tinha de fazer uma transfusão de plaquetas sob pena de sofrer hemorragias internas caso não o fizesse e ficar internada. Liguei a uma amiga que me deu o contato de um homeopata e este disse-me para fazer o que os médicos dissessem. E assim foi... Caiu por terra o que eu dizia "se um dia tiver cancro, não vou fazer quimioterapia!" Não sabia que uma transfusão de plaquetas não requere exatamente internamento e que só ia voltar a respirar o ar da rua em 2013.

Em Portugal não há verdadeira medicina alternativa, há medicina complementar e todos os livros que eu lia eram internacionais. Hoje acredito que seria diferente, mas sobretudo que foi como tinha de ser.

"Rita, entrega-te, está na hora de deixares que cuidem de ti, de receber." dizia uma voz algures dentro de mim. Não sabia bem o quê ainda.

Lá fiquei, inconformada e cansada. Não me lembro de nada dos primeiros dias, apenas de pedir informação escrita de fármacos e efeitos secundários do protocolo que me iriam aplicar onze dias depois. "Sim, já trazemos." Ainda não chegou.








terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As fotos depois da atuação de ontem

Ontem foi o dia da festa do CRID - Centro de Reabilitação e Integração de Deficientes, instituição que acolhe adultos com multideficiência. Gosto muito desta casa, onde colaboro desde 2008, com um projeto de dança inclusiva, no qual integro os meus conhecimentos de movimento, psicologia e intervenção através das técnicas expressivas/criativas.

Nunca imaginei que eu própria iria passar por um processo de reabilitação física, mental e social e, aqui, o CRID contribuiu para a minha integração profissional depois do cancro, dando-me a possibilidade de voltar a desenvolver sessões de dança(terapia) no seu Centro de Atividades Ocupacionais.

Aqui está o registo do reinício deste projeto:

http://crid.pt/terapia-pela-danca/

Ontem a festa realizou-se no Teatro Mirita Casimiro no Estoril e houve teatro, dança e música a tarde toda. Agradeço à equipa/família técnica o apoio na produção da atuação de dança porque para 21 pessoas as minhas mãos não chegariam, em especial para a caracterização do "Thriller" (sim, o do Michael Jackson! e, sim, numa festa de Natal!).

Sob o tema "Não há longe nem distância", inspirado no livro com o mesmo nome, de Richard Bach, o grupo de dança do CRID convidou o público a atravessar "o dia e a noite dos tempos, tão próximos e tão distantes", construindo e desconstruindo a vida e a morte em movimento, com três momentos protagonizados pelos três grupos que oriento.

O tema surgiu de conteúdos e necessidades que foram aparecendo nas sessões semanais (a morte, a separação, a perda) e do cruzamento com a peça de teatro que parodia um funeral e todas as personagens que associamos a este ritual, de uma forma divertida e irresistível.

Ensaios e camarins (fotos CRID)
 
No palco (fotos CRID)


Nas fotos de baixo, ensaio e apresentação de um dos momentos da dança, em que todos voavam inspirados no livro "Não há longe nem distância". Na foto de cima, os agradecimentos do grupo de dança. (fotos CRID)
Uma parte da equipa "faz-e-desfaz-tudo", desde figurinos, cenários, caracterização, encenação, direção, vozes, vendas....
Os atores prestes a entrar em cena e em cena!


Mais fotos da festa no facebook do CRID.


A pequena Rae está a crescer, vou ao aniversário dela e levo-lhe um presente, disse eu ao Falcão. Lá em baixo o deserto deslizava distante; por fim ele disse: Sabes, não compreendo quase nada do que dizes, mas sobretudo não percebo o que queres dizer com crescer.

 

Crescer, claro, disse eu. Rae é quase adulta, afastou-se mais um ano da infância. Que dificuldade há em perceber isso? Finalmente o Falcão aterrou numa praia solitária. Afastou-se mais um ano da infância? Não me parece que isso seja crescer! Elevou-se no ar e partiu.

 


Pode a distância separar-te dos teus amigos? Se queres estar junto de alguém que amas, não te parece que já lá estarás?

 


Agora é altura de abrires o teu presente. Prendas de metal e de vidro gastam-se num dia e desaparecem. Tenho uma prenda melhor para ti.
 
(retirado do livro "Não há longe nem distância")


 

domingo, 7 de dezembro de 2014


(Foto Maçaroca Educação & Design, MakeUp By Me e CurAção)


Há dois anos atrás, no Hospital de Cascais, entrava a doutora pelo meu quarto a dentro para me dizer "Já sabemos o que tem.", depois de 5 dias sem notícias, mas já percebendo os burburinhos na equipa médica.

Vim de Cabo Verde com valores dos glóbulos brancos a atingir os 30000 (normal até 10000), com febre e não poderia ir para casa sem um diagnóstico. Em Cabo Verde, já tinha pesquisado no Google acerca desses valores alterados e a palavra que aparecia mais nos resultados da busca era leucemia. De qualquer forma havia sempre a hipótese de ser um processo infeccioso e era essa a minha preferida, claro. E o Google, convenhamos, diz tudo e não diz nada.

Naquela enfermaria, eu partilhava o quarto com uma senhora que estava muito contente em ter-me como companheira até ter assistido às minhas crises de dores, que podiam atingir qualquer parte do corpo e que eu descrevia como facadas que se passeavam pelas costas, peito e virilhas. Andava de um lado para o outro desesperada, descia pelas paredes, deitava-me, levantava-me, respirava... Poderia melhorar rapidamente com uma injeção intramuscular mas dizia o protocolo que tinha de começar pelo benuron (depois de 3 semanas com sintomas semelhantes e reconhecidos). A senhora não tardou a perceber o azar que lhe tinha saído na rifa: "Logo havia de me calhar uma que ainda está pior do que eu!" Fora isso tínhamos conversas tranquilas, mas já não me lembro sobre o quê.

"Tem um linfoma." Acho que não ouvi a palavra cancro porque o meu cancro tem o seu próprio nome. Mas a médica veio com reforços, com uma enfermeira que, depois da notícia do cancro, me viesse contar a história de uma familiar que tinha tido o mesmo diagnóstico, feito quimioterapia e recuperado com sucesso. Ora, ainda não tinha percebido o que estava a acontecer, já estava a levar com o meio e o fim do filme.

Não me lembro de mais nada a não ser de pensar que, se estava no estadio inicial como me diziam (o que não se veio a confirmar), não iria fazer quimioterapia porque já tinha lido o suficiente sobre cancro para saber que queria outras opções. Não gritei, não refilei. Ok. É isto, Rita. Tens cancro, vais pôr em prática tudo o que aprendeste e vais resolver isto. Não me lembro de muito mais. Os meus pais - e as amigas com quem falei ao telefone entretanto - devem lembrar-se de mais alguma coisa.

Sei que, na sequência da minha calma, foi o corpo a manifestar-se com a crise pior daquela semana, dores intensas e intermináveis porque, mais uma vez, quiseram começar pelo benuron e correr os analgésicos todos até me darem um derivado da morfina e finalmente adormecer. Adormecer. Tens cancro. Podes ir para casa. Estava na hora de acordar.

Depois de um ano a viver no Verão, tinha chegado o Inverno.


I want you to tell yourself "I am DONE with cancer!" and also, in case your doctor said you are in remission, I want you to think of the word remission as "its now time for me to REmember my Mission! Anita Moorjani
 
Posso dizer que o meu sentido de Missão se tornou mais vivo do que nunca nos últimos dois anos, ainda que não seja novo na minha vida. Antes sentia que tinha de fazer exatamente o que estava a fazer, mas ainda sem saber bem para quê, para além da necessidade presente e premente de ir ao encontro das pessoas e das populações com que trabalhava. Hoje eu sei para quê:
 
- para promover comportamentos e pensamentos de cura,
 
- para sentir com o outro e acompanhá-lo em parte da viagem amor-dor-amor.
 
- para questionar e contribuir para a construção de paradigmas emergentes, na saúde e na educação, mas sobretudo na ordem do pensamento,
 
- para cumprir a missão de ser EU.
 
Neste sentido o cancro redirecionou-me e remissionou-me. Em Re-Missão.
 
Depois de ler as palavras da Anita, entendi que é isso que tenho feito desde a remissão clínica, foi desse princípio que nasceu este projeto, o puro e simples de me cumprir. É esse o meu protocolo. Não me venham dizer: "Não fizeste os tratamentos e não fazes nada?" porque isto é tudo. Tudo muito.
 
 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

 
Ontem foi o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Há dois anos estava internada no Hospital de Cascais. Há um ano estava em Cabo Verde e celebrei este dia junto da Acarinhar, que dá apoio a crianças e jovens com Paralisia Cerebral. Este ano estive no CRID - Centro de Reabilitação e Integração de Deficientes, onde estou todas as 4as feiras. Foi um dia como os outros porque todos os dias são da deficiência, da diferença e da inclusão para quem vive esta realidade, como sujeito ou como cuidador. A minha experiência limítrofe dos últimos dois anos e as repercussões que continua a ter na minha condição física e mental faz-me sentir mais perto. Porque, como diz a Bibá Pitta, "Não há diferença nenhuma." e como o título do livro de Richard Bach "Não há longe nem distância"...
 

terça-feira, 2 de dezembro de 2014


Hoje tive uma epifânia, como ouvi no outro dia! De vez em quando abre-se uma janela e é isto, a coisa dá-se. Celebro dois anos do regresso a Portugal, recambiada de Cabo Verde, para ser internada. Começou esta viagem. De repente, com a cabeça na almofada, senti quase a mesma adrenalina de um dia de anos, imaginei os presentes/sonhos realizados e visualizei a minha vida um bocadinho mais à frente. Há quem festeje o transplante de medula, o fim da quimioterapia, a remissão... Eu celebro o dia em que fui internada e a minha vida me foi eclipsada! Não sei que sinapses são responsáveis por tamanha loucura, mas talvez as que sabem que eu posso, eu consigo, eu sou capaz de fazer frente às adversidades. Basta confiar.

O ano passado celebrei com a viagem de regresso a Cabo Verde e uma sessão fotográfica com o meu amigo Marcos. Este ano mudei a cara do blog, radicalmente. Está na hora de deixar ir. Ainda pensei antes de clicar para assumir a nova imagem: "Mas nem um print screen fiz!"

Passei a noite nisto, nas mudanças, nas ideias, nos balanços e, de manhã, lá fui ensonada até ao IPO para a consulta trimestral com a Dra. Francesca. Foi o dia das filas, no trânsito, para estacionar, para a senha das análises, para o balcão, para fazer as análises, para a consulta... As análises estão ótimas e a Dra. ainda mais, a 3 semanas de dar à luz uma menina. Nos últimos meses, é um tema recorrente na minha vida, fertilidade, maternidade, bebés, ginecologia, planeamento familiar. Luzinhas que andam aqui a piscar. Pois é, "a minha vida não é só o linfoma", dizia eu hoje na consulta.

E, com uma noite agitada e não dormida, fui dançar com as minhas alunas na Arte Move. Every breath you take... começava assim a primeira música. Gratidão.




 
Fotos Marcos Semedo
Agosto 2014


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