quarta-feira, 27 de maio de 2015


Tenho precisado menos das palavras ultimamente. Na verdade, as palavras não servem para nada nos momentos que falam por si. Por outro lado, são como uma tatuagem na alma, firmam uma intenção e arrumam os pensamentos. E os medos. A um canto.

Sinto-me numa fase de transição, que como todas as fases de transição, não têm bem nome, lugar, forma ou destino. Fiz 35 anos - o post do aniversário há-de sair - e dois anos do último internamento e da remissão. Sinto o passado a ir. E há uma certa nostalgia nisto. É o problema de crescer: deixar ir. Não interessa se estamos a libertar-nos de coisas que já não nos fazem falta ou que já não fazem sentido, mas, de alguma maneira, são nossas e contam a nossa história. Virar a página é abrir a porta ao desconhecido, aquele estranho com o qual os nossos pais nos ensinaram a não falar, que, de repente, somos nós. O mais surpreendente é perceber que as outras páginas continuam todas lá, que não é preciso rasgá-las para seguir para o capítulo seguinte.

Sinto que vim a esta vida para aprender a perder porque a minha vida começou com uma perda, mas agora escolhi focar-me no que vim cá ganhar. Por que não? Por que não segurar, por que não guardar, por que não manter, por que não tentar?

Nunca se aprende a perder. Perde-se. É um hábito. Deixa-se ir mas não se aprende a perder. No dia em que aprender a perder, vou morrer. Talvez seja essa a lição que traz a morte: a aprendizagem da perda, da separação, da mudança, do desconhecido, do amor à distância. Se calhar morrer é amar à distância.

Mas ainda quero viver. E, se quero viver, quero ganhar. E se quero viver, quero amar sem distância. Não te quero perdidamente. Só dizê-lo cantando a toda a gente... 






terça-feira, 19 de maio de 2015


"No melhor pano cai a nódoa." foi uma frase que me ficou da minha adolescência, da melhor aluna e da quase-melhor-filha, não fosse nunca ser suficiente para ser a melhor, apesar de única. Não fosse nunca ser suficiente para ser "boa". Criei em mim um padrão de não falhar para justificar o direito a ser a melhor, porque, para as pessoas que nos importam, não queremos ser menos do que as suas pessoas preferidas: a melhor. E, se não somos, não somos bons. Habituei-me a sentir-me "quase boa" porque tinha tudo para ser a melhor mas faltava o reconhecimento, aquele que brilha nos olhos, se abre no sorriso e se mexe nos lábios das pessoas que nos validam quando dizem "Gosto de ti." O quase. O aquém. E este é um hábito que se incorpora, que quase não reconhece, não acredita e, no limite, rejeita que gostem de nós. Torna-se perversa esta coisa de quase não querer que gostem porque podemos não estar à altura, quando é tudo o que queremos desde o início, a coisa mais básica nisto de estar vivo: amar e ser amado.

Cresci a achar que o amor era difícil, a não conseguir corresponder aos amores assolapados que me assaltavam a rotina e me faziam recuar até ao esconderijo dos afetos e ficar lá, atrás do sorriso e da tentativa de corresponder ou atrás do nariz empinado e da fuga a sete pés. Tive dois relacionamentos na minha vida adulta completamente distintos (21-24/27-31 anos), com duas pessoas muito diferentes na personalidade, mas que tiveram em comum a vontade de me quererem nas suas vidas, de uma forma mais assertiva do que as minhas inseguranças, pessoas com amor a dobrar, não fosse eu não saber o que estava a fazer.

Hoje sinto-me mais capaz de aceitar as minhas imperfeições e as tuas, não para agradar mas porque estou mais focada no que sou e no que tenho e não no que poderia ser ou ter. Hoje não me apetece competir mas colaborar. Hoje não me apetece ser melhor do que a outra mas melhor do que ontem. Hoje não me faz sentido controlar, mas deixar ir e permitir. Hoje estou mais aberta a desconstruir os meus preconceitos e padrões. Está cá tudo na mesma, não sou diferente, mas sou mais.  

Hoje acho que o amor pode ser fácil se assumirmos que é um direito que nos assiste só por existirmos. Ainda assim, desistir de ser perfeita, de corresponder e de esperar é um exercício diário. Mas é este regresso à criança que me permite fazer novas escolhas e lidar melhor com as falhas, minhas e dos outros. Por uma humanização das pessoas. Por uma humanização do amor. 







sexta-feira, 15 de maio de 2015


Não controlamos nada. Já escrevi sobre isto mas custa-me assistir a sofrimento desnecessário provocado pela ilusão do controlo. Eu tenho vindo a aprender sobre isso nos últimos 4 anos, desde o dia em que o A. disse que se ia embora, a minha mãe me ligou a chorar porque a "bomba" tinha explodido lá em casa, as coisas em Cabo Verde só me saíam furadas, tive um cancro no último estadio, fiz tratamentos que me deixaram com os pés para a cova, fui estabelecendo relações e vou perdendo pessoas pelo caminho, umas para a doença, outras para a morte e outras simplesmente para as vidas delas. O que é que eu, na verdade, controlo? As minhas escolhas/atitudes. Pouco mais... 

1. Ninguém muda ninguém a não ser o próprio, no seu timing, no seu processo de crescimento, se assim fizer sentido;

2. Nunca vamos ter as explicações que queremos para entendermos o que nos foge ao controlo; apenas interpretações, hipóteses, fantasias e ilusões;

3. O poder tem de ser "pessoal" e não sobre o outro; 

4. Abdicar do controlo requere entrega. E só assim a cura/o amor acontece.

No meu caminho de abdicar do controlo, descobri a fé. Eu nunca sei o que vem a seguir, o que me espera, qual a escolha certa. Eu confio, eu aprendi a confiar quando era tudo muito para controlar. A fé é, na verdade, um caminho divino que nos permite descansar quando as energias se esgotam. A fé, para mim, é simplesmente acreditar sem garantias. A vida constitui em si um salto de fé. O amor também. A cura também. 

Há dias em que este exercício é uma grande treta. Vem a desilusão, a raiva, o descontrolo, vai-se a fé. E aí vem a escolha: de que lado queremos estar?




domingo, 3 de maio de 2015


Voltei à faculdade. Voltei à Faculdade. Não como aluna mas como formadora, para fazer aquilo de que gosto mais, trabalhar com grupos com as técnicas expressivas, juntando a Psicologia com a Criatividade. À partida, seria apenas a evolução natural das coisas, porque era o trabalho que desenvolvia junto da comunidade, em Cabo Verde, mas a construção da minha cura tem sido o fio condutor do meu caminho, em todas as áreas da minha vida, pelo que as descobertas, as diferenças, as mudanças e as adaptações também acontecem ao nível profissional. Como me posicionar neste mundo novo? Como integrar a minha história pessoal com a minha atividade profissional? Será que o devo fazer?

Já aprendi a encontrar as respostas dentro de mim, mas também já aprendi a encontrar as respostas fora de mim, nas pessoas que conheço, nas oportunidades que surgem, na forma como a vida flui e se constrói. A partir da altura em que decidi criar o blog, acho que a resposta também já estava dada. 

A Rede 2E, rede de empreendedorismo estudantil da Universidade de Lisboa, levou a cabo um encontro na Faculdade de Psicologia sob o tema "Dia E - Aprende a ser um Empreendedor", no passaado dia 9 de Abril. No âmbito deste evento, no seguimento da palestra inspiradora da Inês Guimarães Correia e da Andreia Pereira do projeto Girls Lean In, dinamizei um workshop sob o tema da Criatividade. Por que Sim?

Trata-se de um workshop onde apresento o meu caminho criativo e convido os formandos a vivenciar o contato consigo mesmos, a sua intuição e o seu potencial criativo, através de uma metodologia ativa e expressiva que integra corpo e mente, hemisfério direito e esquerdo, por uma visão mais integrativa do ser e do estar no aqui e agora. 

O potencial de cada um de nós é precioso e é sempre criativo. De tudo o que foi vivenciado, ficou a palavra SILÊNCIO. Vim para casa pensar neste silêncio. Silêncio para ouvir a voz interior, para comunicar sem falar, para sentir, para ganhar espaço para criar, transformar e recriar. 

Grata pela presença de todos e cada um, pela partilha e por fazerem parte da minha curação. Obrigada ao Nuno Pereira da Associação de Estudantes da FPUL, à Andreia e à Inês por me terem referenciado e por terem dado o mote para a prática que se seguiu no workshop e à Vera Ferreira do Cancro é Vida pela sua presença securizante e pelas fotografias.  

Silêncio porque se vai escutar o Fado. É mais ou menos isto. 





sábado, 2 de maio de 2015


Estou com algumas dificuldades em fazer este post porque: gosto de manter as coisas especiais fechadas a 7 chaves para não perderem a magia, mas também sei que é preciso largá-las aos 7 ventos para que se cumpram; adoro palavras escritas mas às vezes não chegam e outras vezes distorcem.

Fui ter com a Marine para lhe dar um abraço que dissesse "Vai correr tudo bem!", "Obrigada!", "Não desistas!", "Sei mesmo sem saber nada.", "Gosto de ti!" e por aí fora... Um abraço por entender a resiliência, a exaustão, a missão, as 7 vidas, os 7 fôlegos, as coisas que têm de ser porque têm a força do que tem de ser, seja lá por que razão for que, ao mesmo tempo, nos é alheia e nos é imputada. Um abraço porque sei que os projetos são apenas ferramentas e caminhos mas não são o fim nem o princípio. O princípio é estar. O fim é ser. O meio é viver. 

Quando me faço à estrada, a viagem é muito maior por dentro do que por fora. Gosto de o fazer de quando em vez. E o campo é assim onde mora a terra, onde estão as raízes, onde as árvores fazem a ponte entre a terra e o céu, onde todos os chakras se realinham e as auras se limpam. 

Não falámos de cancro, só falámos de amor. Tão engraçado reveres-te em tanta coisa minha quando me sinto tão longe ainda de ser genuina como te vejo a ti, mas, ao mesmo tempo, na minha cura em construção, acho que é o que estou a encontrar, essas partes perdidas em mim que se vão despindo de preconceitos. Já não quero ter de. Só quero estar onde na verdade sinto que estou. Porque a história do Variações de só se estar bem onde não se está é só uma forma de uma pessoa não se cumprir em lado nenhum. E eu escolhi cumprir-me, com muita batota ainda pelo caminho, mas o mais importante é IR. 

E eu fui apertar-te e fugir contigo. Eu sei o que é questionar todos os dias. E sei que são os abraços que nos dizem que estamos no caminho certo. 

Uma parte é nossa. A outra entregamos lá para cima. Porque, se calhar, afinal, o único meio é amar.





Não disse nenhuma piada neste post mas, para ilustrar ou desconstruir, surgiu-me esta música (fado) aqui nas memórias, que tive de ir revisitar ainda na segunda linha e que me acompanhou enquanto escrevia. Acho que tem um bocadinho de muita coisa que me ficou do que falámos e há anos que não a ouvia!



Sete Pedaços De Vento

Cristina Branco 


entrego ao vento os meus ais
onde o desejo se mata
sete desejos carnais
que o meu desejo desata

meus lábios estrelas da tarde
sete crescentes de lua
que o desejo nao me guarde 
na vontade de ser tua

quero ser. eu sou assim.
sete pedaços de vento
sete rosas num jardim
num jardim que eu própria invento

sete ares de nostalgia 
sete perfumes diversos
nos cristais da fantasia
amante de amores dispersos

sete gritos por gritar
sete silencios viver
sete luas por brilhar
e um céu para acontecer

entrego ao vento os meus ais
onde o desejo se mata
sete desejos carnais
que o meu desejo desata

meus lábios estrelas da tarde
sete crescentes de lua
que o desejo nao me guarde
na vontade de ser tua

que o desejo nao me guarde
na vontade de ser tua

que o desejo nao me guarde 
na vontade de ser tua






          

No Sábado passado, acordei com uma vozinha dentro de mim a chamar-me para Leiria para ir dar um abraço real e apertado à Marine, daqueles onde não moram palavras. Já sabia que ela ia estar à conversa com a Sofia Lisboa na livraria Arquivo e era uma oportunidade para conhecer também a Sofia, cujo livro me levou a fazer toda uma viagem intensa por tudo o que eu passei com os tratamentos e por tudo o que escolhi não passar. A capa do livro da Sofia ("Não desistas de viver") tem uma fotografia dela abraçada a um coração gigante. E eu, mais do que nunca, como diz a escritora Susana Tammaro, vou aonde me leva o coração. E hoje, mais do que sempre, quero estar onde está o meu coração. E é só assim que não se desiste de viver. 

A Marine e a Sofia fizeram uma entrevista de 5 perguntas, uma à outra e tocaram em questões que também me assaltam o espírito, entre elas:

1. A exposição da intimidade nos seus livros e textos: não é fácil mas pode ser uma mais valia porque, como diz a Sofia "Não contei só a minha história, contei a de outras pessoas." Cada vez mais sinto que não há identificação da parte do outro sem verdade e a verdade pede exposição, mas a verdade também tem zonas frágeis. Onde está a fronteira?

2. A identidade profissional. Tanto a Sofia como a Marine não têm uma profissão que tenha propriamente uma categoria prevista nas finanças. "Sou criativa." diz a Marine e eu adoro, porque é a melhor profissão do mundo, a que lhe permite ser o que ela quiser! Também quis ser santa... Hum... Afinal não é bem o que tu quiseres, porque gozar com o cancro é pecado! 

3. Saudades da vida A.C. (antes do cancro). Tantas vezes que eu tenho amoques e quero gritar para ter a Rita e a minha vida de volta! Com muito mais razões para celebrar do que para me queixar, mas há momentos desses! A Sofia está a aprender a viver com a Sofia de hoje, com o que tem hoje e com o que o presente lhe trás. Diria eu que é um processo de luto que, como todos, tem os seus dias. Aceitação e adaptação mas é, sem dúvida, o maior dos desafios. 

4. Estigma da palavra Cancro. É impossível esta palavra não trazer consigo crenças, preconceitos, fantasmas e todo um rol de tralha que vai muito além daquilo que se tem na realidade. Nunca se tem só um cancro. Tem-se um cancro e o mal do século, todo um karma que o século XX nos deixou para limpar no séc. XXI! 

5. Agradar a gregos e a troianos. Impossível. É preciso assumir posições, comprometer-se com aquilo em que se acredita. A reação dos outros não é da nossa responsabilidade, principalmente quando se faz o que se faz com respeito, generosidade e entrega. 

6. Morte. Falar de morte é falar do outro lado da vida. Uma das coisas que me conquistou na Marine e do seu Humor que ironiza o cancro é sentir nela a experiência da dualidade, os dois lados da moeda que a vida nos permite experimentar. Só temos de rir muito porque dói muito, só é urgente rir porque também há lágrimas para chorar, é urgente viver porque a morte nos espreita a cada esquina, é preciso exorcizar e esgotar os assuntos que nos perseguem. E depois encontrar o equilíbrio porque a vida está no meio e não nas pontas (mas também nas pontas).

As meninas dominaram e falaram com a boa disposição que não diz muito dos seus desafios, mas que diz principalmente do coração gigante que têm, aquele que sabe que, para se ser feliz, é preciso escolher ser-se feliz, independentemente das circunstâncias



Hoje passei pela Boca do Inferno, em Cascais. Há lugares que revisito, sozinha ou acompanhada, que não me perdem o encanto, mesmo que o turismo os vulgarize. Consigo perder-me no mar, cheia de gente por todos os lados. Ainda assim prefiro-os - aos lugares - nus, para ouvir as ondas e sentir que, para a Natureza, tudo vale a pena, tudo se transforma, tudo está no lugar certo à hora certa. E aprender que há mar e mar, há ir e voltar, há marés, há o mar que enrola na areia e ninguém sabe o que ele diz, o que bate na areia e desmaia porque se sente feliz

Fui com o J. Conheci o J. há dois meses e meio e nunca mais o larguei. Em lume brando porque ele faz questão de me refrear. Em lume aceso porque me faz redescobrir uma Rita que ainda estou a conhecer e reconhecer. É como chegar ao Paraíso e chamar-lhe Inferno, é como entrar no Inferno e descobrir o Paraíso, é como perceber que não há um sem o outro e que nos privamos dos dois quando ficamos no meio, a meio caminho. 

Com o cancro a experiência com a dualidade foi gritante, primeiro muita dor, depois muito amor e, no final, a capacidade e a disponibilidade para sentir a vida em pleno, viesse o que viesse. Passados dois anos, mantém-se a esquizofrenia, o apego emocional que permite viver cada emoção como se fosse a última e como se fosse a primeira e o desapego emocional que permite deixar ir para deixar voltar o sorriso, o riso, a lágrima, o grito, o silêncio... Quando dou por mim já estou, quando dou por mim já fui, quando dou por mim já voltei... 

O J. foi muito desejado, daqueles desejos que devíamos pensar antes de os pedir porque: a vida realiza-se. Tem um sabor agri-doce, o que até casa bem com a Rita que pede sempre pipocas-doces-e-salgadas-misturadas, mas tem sobretudo uma leveza que me tira do sério da minha vida. Ele precisa de ir e eu preciso que ele volte. Com a força do mar que entra pela falésia. Com a firmeza das rochas que abraçam o mar. Aquela que tantas vezes me falta porque estou cansada de lutar






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