sexta-feira, 18 de março de 2016




Há dias em que me esqueço de que sou poesia, deixo que a mente me conduza e me equilibre as medidas. Uma seca. Não há óleo que deixe que pensamentos, palavras e comportamentos se escorreguem sem julgar, sem ter de acertar. Não há água que hidrate os olhos e a pele. Não há som a rimar com alegria. Sou poesia. Improviso. Imprevisível. Deixo que as palavras te toquem e não voltem. Dei-tas. Deixei-tas. Deixo que o amor me toque e não volte. Atrás. Voraz. 
Não sei do princípio. Não me contem o fim. Plim. 


Não, não estou grávida! Escolhi a palavra inglesa porque é a mesma para quem tem expectativas e para quem espera um bebé. Na verdade, estamos sempre um bocadinho grávidos quando criamos expectativas e esperamos alguma coisa de alguém e estes partos nem sempre correm pelo melhor. Em português o trocadilho não funciona. No máximo, uma grávida está de esperanças e pomos as nossas esperanças em algo ou alguém quando falamos em expectativas. Em português, é este o paralelo possível. De qualquer forma, é tão complicado um pai projetar todos os seus sonhos num filho, tomando-o como um prolongamento de si próprio e comprometendo a sua individualidade, como qualquer um de nós depositar expectativas nos outros como se estes fossem suposto ser um prolongamento de nós próprios, comprometendo a sua liberdade.

As expectativas remetem-me para a nossa capacidade de prever, pré-visualizar uma determinada impressão; para o desejo, para a capacidade de sonhar, de projetar; para ver mais além, imaginar, pensar, esperar; para o caminho e a viagem; para a ansiedade e o entusiasmo; para o medo e para a alegria, para o medo e o amor. Porquê medo? Porque só o medo nos pode fazer querer que as coisas sejam como queremos (ou conhecemos), fechando as possibilidades. Porquê amor? Porque o amor faz-nos desejar e continuar a imaginar outras possibilidades. É adrenalina que nos percorre. É a vida a palpitar. 

Outra expressão interessante é a que fala de expectativas realistas, são umas que nos remetem para terreno seguro, pés no chão. Às vezes pecamos por pessimismo e outras por excesso de optimismo.

Há coisas que nunca chegam e continuas à espera; faltam-te asas para voar. Mas, enquanto esperaste, sonhaste. Voaste.





segunda-feira, 7 de março de 2016


Ponto 1.

Bom, já falei muito aqui da minha posição em relação aos combates, às lutas e à diabolização do cancro. Do ponto de vista de quem sente a doença como parte da pessoa doente, não me faz sentido falar da mesma como algo exterior a ser exterminado e liquidado. Muito embora a ideia seja a erradicação da parte doente, do que não está bem dentro de nós, eu acredito mais numa abordagem compreensiva do processo e menos numa abordagem combativa. Também não acho que deva haver uma identificação a essa parte doente - eu não sou o cancro! - mas o reconhecimento de que são as nossas células a adoecerem, células que contam a nossa história e que partilham e partilharam connosco todas as nossas vivências, biológicas, emocionais e espirituais. Eu também fico mais descansada com a remissão, mas quero comprar uma guerra??

Ponto 2.

Quando se apelida de guerreiro um doente oncológico, está a falar-se exatamente do espírito guerreiro, do espírito combativo e lutador que os grandes desafios exigem. Como tal, trata-se de uma qualidade, que vem ao de cima quando necessária. São necessárias todas as tropas internas e externas para dar resposta. Se falarmos em arquétipos, estruturas arcaicas que presidem a várias facetas da psique humana (definição livre), eu diria que existe um guerreiro/uma guerreira em cada um de nós e que essa característica estará mais ou menos integrada na nossa personalidade, dependendo de cada um. Do ponto de vista simbólico, é preciso ir à luta!

Ponto 3. 

O tratamento contra o cancro é uma guerra química de destruição muitas vezes massiva, algumas vezes localizada. As campanhas incentivam as batalhas e os soldados crescem a olhos vistos. É metafórico? Até certo ponto é, mas do ponto de vista do tratamento e do que acontece com o nosso corpo, nem tanto. O que me preocupa não é que se tenha um espírito combativo, essencial e inerente à vida; o que me preocupa é que haja uma programação para o modo "fuga", "luta", persecutório e ansiogénico, que permaneça e que as campanhas reforçam a toda a hora. Eu confio mais no meu corpo do que o persigo, mas tenho de trabalhar muito para isso, contra o medo, porque não há campanha alguma que promova esta "fé", o sossego, o silêncio interno para abraçar o processo e para ouvir (sentir).

Cabo da Roca. (Foto: J. Moura)

Ponto 4.

Guerreira, claro que sim, como todas as mulheres corajosas, como qualquer mulher com espírito de proteção, transformação e superação. Não é só o cancro que acorda a guerreira. É preciso um inimigo que nos abane os alicerces e a leoa, aí, baixa em nós. Não é uma bandeira! É preciso acalmar a leoa, é preciso dizer que não está sozinha, é preciso dizer-lhe que os seus filhos/projetos não estão em perigo, é preciso dizer-lhe para continuar a sonhar, é preciso desenhar-lhe um futuro. E deixar que a guerreira parta. É preciso deixar que a guerreira descanse e que nos presidam outras partes nossas; que outras bandeiras se levantem! E é só isto que eu tenho a dizer...






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