terça-feira, 26 de julho de 2016



Há momentos da vida em que te sentes longe de tudo e de todos. Já questionei 30 mil vezes a minha capacidade para comunicar. Depois percebo que a capacidade de comunicar é também a capacidade de viver porque não se vive sem estabelecer laços e, voilá, comunicar. Depois também percebo que, se eu tenho o meu mundo, tu tens o teu e, como tal, já diz o povo que "cada um puxa a brasa à sua sardinha". Há momentos da vida em que te sentes fora do filme mesmo que estejas metido nele até ao pescoço. Quando saí do hospital e voltei a estar com "pessoas num ambiente não controlado", vulgo enfermaria, senti-me completamente deslocada, numa vida paralela que tinha ficado suspensa, enquanto a vida dos outros se desenrolava entre dramas apocalípticos - ai isto, ai aquilo - e muitas coisas boas das quais nem se apercebiam! Continuo a ter essa sensação de não pertencer, sobretudo quando não consigo que me entendam ou não consigo estabelecer limites entre mim e os outros, talvez por saber de coração que essa separação (entre mim e o outro) é artificial. Vejo-te, sinto-te. 

De várias conversas que tive nos últimos dias, retiro a ideia de que temos de ter estratégias para que as coisas dos outros - que não são nossas e que nos fazem mal - não nos afectem. Se há determinadas pessoas que fazem parte das nossas vidas, independentemente do contexto ser pessoal, familiar ou laboral, é bom que nos consigamos manter na nossa energia e não irmos atrás do registo dos outros quando este não nos faz bem. E pôr limites para que não nos agridam na nossa liberdade. A questão é que: tudo o que existe no outro - e que nos afecta - também existe em nós e, muitas vezes, parece ser exactamente o oposto, porque é apenas a sombra, aquela parte que não queremos assumir. Mas essa separação da sombra não deixa de ser uma ilusão. Se há sol, tem de haver sombra. Como ter a capacidade para fechar se não nos faz bem e para abrir ao outro quando nos convém? (Seria uma boa definição para desonestidade...) 

A única forma de nos livrarmos de todo o mal de que fala o Pai nosso que está no céu é com confronto, assertividade e escolhas mas, na maior parte das vezes, mudança. E por que não? Por que nos é tão difícil? Porque nós também somos o outro. Porque muitas vezes o outro é uma irmã, um irmão, uma mãe, um pai, um marido, um namorado, uma melhor amiga, uma pessoa que existe dentro de nós como uma extensão de nós próprios. Que permitimos que entrasse. E não será que, enquanto estamos em comunicação, em relação, o outro, naquele momento, não é sempre uma extensão de nós próprios, mesmo que pareça uma situação polarizada, que teimamos em chamar de disfuncional? Mesmo e, sobretudo, quando achamos que o problema está só no outro? Como nos ligamos sem pertencer? Como nos ligamos sem que nos pertençam? E não estou a falar de sentimento de posse; estou mesmo a falar de sentimento de proximidade, intimidade, sinergia. Como curar uma pessoa, um coração, um planeta sem isto?

Não é justo culpabilizarmo-nos por uma atitude de uma esposa, de um chefe ou de um irmão nos afectar porque, provavelmente, essa atitude, se veio de um lugar ferido, apenas pretende ferir ou apenas tem o alcance de ferir. Até o próprio poder alquímico do amor só pode ter lugar quando as feridas de ambas as partes se abrem ao outro. Caso contrário, não adianta porque, como eu dizia ontem, "quando um dos dois não quer, dois não dançam". E é mesmo difícil dançar em sintonia. E não é possível fazê-lo sem se tornar um só, uno! Por isso tantas vezes sentimos não sentir onde acabamos nós e onde começa o outro e vice-versa; quem é responsável do quê. Não há distância suficiente porque até essa distância é uma ilusão. 

É muito fácil o julgamento. Eu hoje toquei à campainha de um consultório e apareceu-me uma técnica furiosa porque a porta estava aberta e eu não tinha percebido. Não consegui que, na meia hora seguinte, aquela energia e aquele "virar de costas" não me deixasse com os nervos em franja. Há logo ali, naquele momento, da minha parte, uma incapacidade para entender o que se passa na vida daquela pessoa para aquilo a ter deixado tão indisponível e, da parte dela, uma incapacidade para entender que a outra pessoa pode falhar. A energia só mudou quando fui atendida por ela na consulta e se tornou numa pessoa simpática que estava a pensar na hora de almoço. Não tive vontade de abordar o choque inicial, mas senti que se estava a redimir e só quis despachar-me e fugir dali. Desempoderada por não escolher utilizar o meu poder pessoal dizendo-lhe que a atitude dela não contribuía para a saúde cardio-vascular dos doentes que iam até ela fazer exames ao coração! Escolhi, primeiro, ser vítima e, depois, partir para outra. Mas estas são situações simples, com pessoas que, provavelmente, vemos uma vez na vida. 

Está mesmo na hora de assumirmos que sentimos as coisas uns dos outros, que elas estão em nós e que não são muros nem fronteiras que nos vão proteger ou separar de alguma coisa. Cada vez o mundo grita mais isto! Claro que podemos, como dizem todos os livros de desenvolvimento pessoal, cercar-nos de pessoas que nos fazem sentir coisas boas e nos fazem ser a melhor versão de nós próprios mas, enquanto isso, continuamos a ser o bem e o mal porque todas as emoções residem em nós. A empatia só cresce com abertura. A abertura leva à sensibilidade. A sensibilidade leva ao amor e à dor. 

Não sei do futuro próximo. Não sei mesmo de nada. Reconheço o desespero que há no mundo e também dentro de mim, assim como reconheço as ondas de amor gigante que há no mundo e também em mim. Reconheço atos vindos do ego todos os dias da minha vida, tanto em mim como nas pessoas que estão ao meu lado ou passam por mim, pássaros feridos, asas partidas... 

Nunca tive a sensação de insegurança tão presente no coração. Na verdade, hoje estou a fazer um holter - exame cardíaco - para identificar arritmias que eu sei que vêm da instabilidade do meu mundo, interior e exterior. E o coração é tão sábio que vos digo que talvez o medo seja o que o ponha a bater mais depressa, mas os batimentos que disparam também nos dizem da força, da vida e do ímpeto para... qualquer coisa que escolhamos para a nossa vida. Nenhum batimento é aleatório.

Rezo para que as almas inquietas como a minha, por este mundo fora, usem o medo para agir pelo bem. Mas reconheço que é difícil porque a ferida pede vingança, inflingir sofrimento no outro, exercer o poder sobre este. E isto é triste. E anda muita gente triste e desesperada aos tiros aparentemente indiscriminados. Anda muita gente a fugir de sentir. Num mundo cada vez mais polarizado - entre os bons e os maus - não há outro caminho senão o do sentir... Tudo o que nos pede para fechar vai reforçar a separação. E, volto a dizer, a ilusão. Abrir expõe-nos ao risco e ao terrorismo das ações irreflectidas, bombas-relógio tão previsíveis como imprevisíveis. 

Eu sei que sou amor. Eu sei que tu és amor. Mas o amor não aparece na separação. Não existe na ilusão. E o pior é que anda meio mundo a achar que o amor é uma ilusão, quando é a única realidade. 

Não é gravidez! É um holter, aparelho que mede a frequência cardíaca durante 24 horas! Mas eu fico sempre orgulhosa do meu coração por continuar a bater, compassado ou descompassado!






INSTAGRAM