sexta-feira, 30 de outubro de 2015



Eu já fui 3x ao lançamento do livro da Sandra "O meu cancro morreu e eu renasci." E 2x ao da Flávia "Quimioterapia e Beleza". Faço questão do reencontro, faço questão de reabsorver a partilha porque nunca é igual. Um ano tira e acrescenta muita coisa, leva e traz pessoas novas e renovadas, amadurece os discursos e fortalece os laços. Do mundo dos projetos sobre cancro, em Portugal, tenho um carinho especial pela Sandra (Partilhas), pela Marine (Cancro com Humor) e pela Vera (Cancro é Vida), pessoas que passaram a fazer parte do meu mundo, mesmo quando falamos com menor frequência.

Cada projeto que nasce do cancro é antes de mais nada um projeto de pessoa em crescimento e reconstrução, é antes de mais a pessoa e só depois a missão. Mas os melhores são os que permitem que a missão ultrapasse a pessoa e fale por si. E aí a pessoa não desaparece; apenas se torna melhor e mais forte. Quando são os egos que nos movem, diminuimos os outros e perdemos força. Queira eu ter sempre esta lucidez no caminho.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015


De todas as doenças que me podiam calhar, calhou-me uma que me atingiu o corpo todo: sistema linfático, sistema nervoso central... Não foi simpático calhar-me na rifa um linfoma em último grau, mas, por outro lado, tenho a dizer que fico contente com um diagnóstico que atestava que o meu corpo estava todo doente e não só uma das suas partes. E eu vou mais longe: o meu corpo físico, o meu corpo mental, o meu corpo emocional e o meu corpo espíritual, que também se manifestam através das minhas células, estariam também doentes. Estando eu toda doente, não tinha indicação para radioterapia ou cirurgia, que exercem uma ação localizada, que é uma coisa que a mim me faz um bocado de comichão. Uma doença não pertence a um corpo que constitui um sistema que está todo interligado? Para terem uma ideia de tão longe que vai a minha comichão, eu nem aceitei (ainda) que a dentista me arrancasse um dente por vias de uma cárie que se alojou num dos sisos! Faz-me comichão esta coisa de curar o corpo arrancando partes.

Entender o corpo como um todo. Entender uma pessoa como um todo. Entender o planeta como um todo. Entender o Universo como um Todo. Entender um sistema, uma empresa ou uma família como um todo. O todo nunca é de tirar a individualidade, a identidade e a importância de cada parte, seja essa parte um país, um cônjuge, um filho, um rim, uma árvore, o vizinho, um corpo, uma alma, um projeto.

Falemos de partes, sim, mas não isoladas do todo. A ciência ensinou-nos a controlar variáveis mas não pode controlar a realidade, na medida em que a realidade é mais do que a soma de variáveis, que numa dança interagem e nos trocam com voltas e baldrocas. E seria roubar a magia da vida conseguir controlar não só as variáveis de uma forma isolada, mas também a forma como as mesmas se relacionam e as ínfimas possibilidades de combinações entre elas.

Claro que conseguimos resolver um problema eliminando uma das partes da equação, um útero, um criminoso, uma comunidade, uma erva daninha, um marido, um delinquente, os tumores, as partes doentes da sociedade. Elimina-se e resolve-se. Mas o que é que se resolve? A chatice. Será que se resolve o problema de fundo?

As pessoas continuam a olhar para si aos bocados, corpos disformes e imperfeitos, objetos de desejo, controláveis para não se tornarem controladores. Enquanto controlarmos as partes não deixamos que as partes nos controlem. As mulheres querem-se inteiras, os homens querem-se inteiros, as pessoas querem-se de verdade, com sangue quente nas veias e o coração a palpitar. Não quero entrar num consultório médico para me mandarem tirar a roupa ou olharem para os meus neutrófilos sem saberem como me sinto quando abro as pernas a um desconhecido numa marquesa. Não quero um mundo de pessoas que sintam que não têm nada a ver com as guerras que se passam fora das suas fronteiras. Não quero um mundo de pessoas que achem que poluir o chão que não seja o da sua casa é normal. Não quero ver mulheres a quererem igualar os homens e a boicotarem as partes que as diferenciam e tornam especiais, como se isso não tivesse consequências a um nível muito mais alargado. Não quero ouvir pessoas a dizerem que não mudam porque a sua mudança não fará diferença se os outros também não mudarem. Onde está o poder de cada um? 

A minha cura passa por atingir esta sintonia, de várias partes em mim, de várias partes em consonância com o todo, o todo que eu sou, o todo que é o relacionamento em que me encontro, o todo que é a minha família, o todo que é o meu país, o todo que é o mundo em que vivo, o todo que é o universo que me trouxe a oportunidade de nascer e renascer. É para esta consciência global que quero contribuir, sendo eu própria cada vez mais inteira. O todo nunca poderá diluir o poder que reside em cada um porque é do poder de cada um que se alimenta o poder do todo. 





E para mim o maior problema do mundo em que nos encontramos - falemos de economia, política, educação, saúde, família, amor e por aí fora - é de visão, uma visão muito curta

quarta-feira, 21 de outubro de 2015


Corpo. Mente. Espírito. Indonésia. Cabo Verde. Batuque. Dança contemporânea. Pessoas empreendedoras e não apenas "empreendedores". Música. Metáforas. Abraços. Criatividade. Entrega. Amor. Sinais. Encontros. Reencontros. Medos. Gargalhadas. Lágrimas. O entusiasmo da Sandra na primeira fila a dançar ao som da Viviane e da Dilana. A Catarina e as batucadeiras. A Sónia que interpelou o Sr. Presidente. A sua Soraia. A Raquel de Trás-os-Montes que trouxe o tornado e a tempestade porque só ela leva tudo pela frente! (E faz massagens maravilhosas!) A Andreia em erupção. Transformação. As 20 horas que o Hugo trabalha por dia - depois daquela dose de fruta, trazemos todos poderes especiais! Vitaminados, Inês e Pedro! Bebo mais da vossa alegria do que qualquer outra vitamina! Comer sem culpa. Viver sem culpa! A Ollie que me desconcerta com um "You're so sweet. Why are you so sweet?!" Crer para Ver. Crer para Ver. Crer para Ver. A fé da Eduarda. O coração da Marta. Das Martas! Eu sou... meiga! Sorrisos. Círculos. Superstars. Powermind. Quatro Cantos. Jogos. Dinâmica. Eu, tu, nós, eles. Uno. O mundo. O amor universal. O universo amoroso. Gratidão. O que é que tu fazes? ... Silêncios. Reflexão. Perguntas. O bacalhau com crumble de amêndoas! O arroz de polvo na Floresta. Os pães e os queijos a mais! Love your curves and all your edges, all your perfect imperfections. A Lisa que nos pôs a mexer. A Orlanda que não queria cá um gajo com armas na nossa comunidade! Passa aí o prato da minha filha que ela deixou metade do peixe no prato! Filhas, mães, mulheres. Amizade. Partilhas. Cuidados. A banquinha amorosa da Sandra M. A magia do Fábio. O Lucas. A Susana. O Mário. O Gonçalo que esperava que fosse tudo mais formal. Eu que tinha medo do networking. Qual networking? Só vou lá ser eu! Os biocos maravilhosos e o senta-e-levanta da Lurdes. Self-confidence. A embaixatriz. Intuição. Arco-Íris. Cores. Emoções. Conexão. Individual. Colectivo. Colaboração. Clai. Clai. Claiii. Pode ser Cláudia, é mais fácil! De onde é que nos conhecemos, Judite?? A mãe do Benvindo que acha que não sabe dançar. As muletas da João a sustentarem a nossa vulnerabilidade. A força da vontade. A vontade de dançar. A vontade de cantar. A vontade de viver. A Paula no ecrã. A cura. A mudança. Um brinde aos novos começos. Beginners. Conquistas. Acreditar. A cortiça. Sonhos. Portugal. Afetos. A magia dos afectos. 


Fotografia: Manuela Sabino

sábado, 17 de outubro de 2015


Não pretendo com este post ser muito rigorosa em termos científicos mas hoje ouvi, no programa "Faz Sentido" da Ana Rita Clara (Sic Mulher), falarem nesta condição de Crescimento Pós-Traumático (CPT) relativa às mulheres que tiveram cancro da mama.

O CPT diz respeito a mudanças positivas decorrentes de uma experiência traumática, como se, de alguma forma, esta experiência induzisse um salto de crescimento que não aconteceria de forma tão marcada sem o trauma. No caso do cancro, depois da experiência, a vida seria posta em perspetiva, seriam reavaliadas as prioridades e teriam lugar mudanças de acordo com o novo olhar sobre si próprio, o mundo e a vida.

A PSPT (Perturbação de Stress Pós-Traumático) é um distúrbio de ansiedade que pode surgir depois da experiência traumática e que dá lugar a diversos sintomas ou manifestações que perduram no tempo.

Reconheço as duas condições em mim, dois anos depois. O CPT é logo o primeiro a manifestar-se. Toda eu era borboleta quando me livrei do internamento e este blog resulta deste crescimento. Da PSPT, reconheço em mim, sobretudo, a hiperativação/hiperatividade fisiológica: sobressaltos, insónias, estar sempre em modo de alerta como se estivesse em perigo, déficit de atenção... mas a PSPT veio com o tempo, com o resgate da vida "ativa". É como se o corpo tivesse sido reprogramado para se defender e proteger por tempo indeterminado, o que resulta num gasto de energia que me deixa sempre no limbo.

Se ganha o CPT ou o PSPT, creio que vão a par e passo, nuns momentos ganha um, noutros ganha outro. Os desafios da vida não vão parar, mas as coisas boas também não que eu sou teimosa! A vida não volta atrás e muda para sempre porque sempre muda. A resposta eu sei que é AMOR e sei que é confiar, mas às vezes não enxergo nada.

Eu sou aquela que nunca sabe como se ligam os faróis de nevoeiro. E ainda hoje vi o nevoeiro sobre a serra que, visto de fora, é muito bonito, mas, quando se está lá no meio, nunca se sabe o caminho. E às vezes o meu problema é mesmo não saber onde páram as luzes!

Quanto ao CPT, vai sempre levar a melhor, mas seria bom não esperarmos pelo trauma/sofrimento para fazermos determinadas aprendizagens e levarmos a cabo as mudanças de que precisamos para sermos felizes, só porque sim!

sexta-feira, 9 de outubro de 2015



Uma das várias dimensões que devo recuperar depois de ter sido trucidada pelo comboio-quimioterapia é a da mulher, a par de todas as outras. O corpo fica feito num 8, a menstruação desaparece, as hormonas alteram-se, as emoções embrulham-se num novelo gigante. Já passaram dois anos e ainda estou a falar nisto.

Ter ficado sem as formas do meu corpo como eu as conhecia devido à perda de peso, ter perdido o cabelo e as pestanas que para mim eram parte da minha beleza, ter ficado sem menstruação, não ter tido qualquer relação afectiva e/ou sexual durante muito tempo e ter visto o futuro da minha condição de mulher como eu o esperava hipotecado sem garantias de o recuperar, tudo me fez valorizar isto de ser MULHER. Tudo isto me fez acordar para o adormecimento que existe neste mundo quanto à beleza e magia inerentes a esta condição: a feminina. Neste mundo, leia-se: em muitas mulheres.

Às mulheres é ensinado que a menstruação é uma coisa feia, que com a menstruação vem uma carga de trabalhos, como a dor de cabeça que é ter homens à perna que só nos querem para "uma coisa", uma coisa que também não fica muito bem às mulheres decentes dizer em voz alta: sexo. O ciclo menstrual traz também as variações hormonais e, portanto, a TPM, responsável pela infelicidade que é para mulheres e homens terem de levar com as nossas neuras, como se naquele período fôssemos dominadas por um qualquer espírito mau que não nos pertence. Mas pertence.

Depois da quimioterapia e também depois de ter retomado a minha vida afectiva/sexual - toda uma reiniciação e uma descoberta - já tive 3 infecções urinárias, que me têm feito confrontar com algumas crenças que estão incutidas em nós, mulheres, e que acredito que ainda nos condicionam numa vivência plena e livre. Sim, porque não é só na política, no mundo empresarial ou na família que temos muitas conquistas em curso e por fazer.

A primeira enfermeira que encontro na triagem reage assim à infecção urinária: "ah, é o problema de ser mulher!" Uma amiga diz-me, em tom de brincadeira (mas nas brincadeiras ficam implícitos os preconceitos e as crenças): "Sua maluca!" A minha vizinha: "Ah pois, agora tens um namoradito, isso já se sabe! Nós as mulheres, é assim... por isso é que eu não quero nenhum homem!" E podia continuar por aí fora... De repente, apercebo-me de que não interessa se têm 30 anos ou 60, para as mulheres, sexo e infeções andam de mãos dadas. E os homens fazem-nos mal. É uma pescadinha de rabo na boca. Já não basta eles só nos quererem para essa coisa, essa coisa ainda nos põe doentes.

Claro que eu acho que as mulheres já fizeram um longo caminho em relação à liberdade sexual e ao direito ao prazer sem culpa, mas, minhas amigas - e este é mesmo um post de amiga -, ainda há muito a fazer! E não passa por nos despirmos publicamente ou termos os parceiros que quisermos para provar seja o que for, muito embora sejamos livres de fazer essa escolha. A verdade é que eu acredito que o nosso corpo espelha tudo isto que ainda está no inconsciente coletivo e de cada uma e um.

Depois de ter perdido a lubrificação durante os tratamentos, senti saudades de sentir o sangue descer e percebi, quando a menstruação voltou, 4 meses depois de terminar a quimio, que a sensação é semelhante à da lubrificação decorrente da excitação sexual. É literalmente um terreno fértil que representa a nossa capacidade para criar, parir e celebrar a vida. Sangue é vida.

Não tomo a pílula porque quero estar em contacto com todas as fases do ciclo, com a riqueza de emoções que está em mim e com as mudanças que ainda se verificam no meu corpo que ainda não estabilizou. Quero conectar-me com os ciclos da natureza e com o meu potencial criativo e criador, que, numa mulher, não passa só por ter filhos. Quero usufruir desta fase o tempo que ainda me estiver destinado a vivê-la antes de chegar a menopausa, outra fase igualmente rica mas que não estava pronta para acolher aos 30.

Às vezes gostava de poder ter uma filha só para lhe poder ensinar coisas como estas:

- os homens não são bichos maus que nos querem comer e que ainda por cima nos causam infecções, se nós soubermos respeitar-nos e mostrar-lhes como somos por inteiro; eles estão muitas vezes perdidos na tarefa de nos conhecer, porque muitas vezes também queremos esconder a nossa vulnerabilidade e necessidades - está muito mais valorizado socialmente ser forte e impermeável do que ser assumir fragilidades e sensibilidade; muitas vezes só vêm partes nossas porque também não assumimos as outras.

- mostrar-nos por inteiro implica reconhecer as nossas emoções como parte da nossa verdade e a TPM só mostra muitas vezes aquilo que tentamos esconder o resto do mês;

- ser mulher não é um problema, em contexto nenhum, nem no meio laboral, nem na vida pessoal; ser mulher enriquece qualquer meio onde nos integremos, se assumirmos o que nos diferencia em vez de nos tentarmos equiparar aos homens, se deixarmos de competir com os homens e umas com as outras;

- homens e mulheres têm muito mais a ganhar se se aproximarem em vez de andarem sempre em guerras de poder; é da sua união que nasce a vida, que se dá à luz, que se dá a evolução da espécie;

- as mulheres são muito mais fortes unidas, não contra alguma coisa ou alguém, mas juntas nas coisas que muitas vezes guardam para si próprias, medos, inseguranças, dúvidas e dores. Vão descobrir que não estão sozinhas e libertar-se da necessidade de perfeição;

- a menstruação e o ciclo menstrual são a prova de que o corpo é mágico, a vida é cíclica e as oportunidades de nascer/morrer/renascer simbolicamente numa mesma vida são múltiplas. Durante a menstruação o corpo renova-se e tudo recomeça. Tudo se transforma.

- o sexo é uma coisa boa, permitida e é suposto ser prazer para todas as partes intervenientes, com liberdade consciente e informada; com a liberdade sexual, o amor talvez tenha vindo a perder terreno, porque podemos decidir pelo sexo sem alma e separar em gavetas os tipos de relacionamento que escolhemos ter com determinadas pessoas, mas sexo com encontro de corpos e almas, sem separação entre corpo, emoções e espírito, constitui a materialização do poder que duas pessoas têm quando literalmente se juntam, se fundem e se perdem/encontram uma na outra: o poder do amor, o do amor que cura. E acredito que o mundo de hoje precisa muito mais disto, de que se faça amor, de todas as formas, orientações, convicções, fetiches e feitios; 

- se não houver respeito, não é amor;

- ser mulher é poder gerar vida, dar colo, ser frágil, ser forte, ser cheia, ser histérica, ser lunática, ser bipolar, ser infantil, ser maternal, ser sensual, ser amiga, ser fodida, ser bruxa, ser especial. é embarcar num desafio e ser superação.

Se um dia tiver um filho, também lhe vou ensinar tudo isto e ainda que o seu papel é muito importante neste mundo e no mundo de uma mulher que o escolha como parceiro de jornada, seja por um dia, um ano ou uma vida.



quinta-feira, 1 de outubro de 2015



Cada um de nós é protagonista do seu próprio filme de vida. Mas cada um de nós é também ator secundário dos filmes das pessoas que são importantes para nós. E calha que ainda figuramos na vida de todas as pessoas que se cruzam connosco e que reside aí uma quota residual de responsabilidade - ainda hoje dei um encontrão a uma rapariga cega e cedi o lugar no comboio a uma mãe com uma criança de colo. A diferença em relação ao cinema é que, no cinema, o guião é imposto, ainda que aceite a priori; na vida real, acreditamos - eu acredito - que somos nós que o escrevemos, à medida que fazemos escolhas. Será mesmo assim? Seja como for, é da responsabilidade do ator no cinema ou da pessoa na vida real interpretar ou desempenhar, de forma fiel e honesta, o seu papel. E assumimos vários ao longo da vida.

Na vida real, também há cenas que nos parecem escritas por "alguém", um qualquer destino que nos calhou na rifa, um fado incontornável que simplesmente se dá. Por um lado, acredito que a tomada de consciência relativamente aos nossos comportamentos, pensamentos e emoções, mas principalmente do impacto que estes têm nos outros e nas situações a cada momento, diminuirá a sensação de vítima de um "destino fatal" (uma redundância). Por outro lado, há mesmo merdas que nos acontecem que parecem obra do Destino, aquele gajo que só não ganhou ainda o nobel da Literatura porque os tipos que atribuem os prémios têm medo de fantasmas.


O Destino é lixado porque é um gajo dúbio: tem pacto com o Diabo e tem pacto com Deus. Interessa-lhe uma boa história, tenha ela "uma casa na pradaria", "música no coração" e um "barco do amor" ou uma "lista de schindler", "pesadelos em elm street" e um transatlântico de nome "titanic". É por isso que a mesma pessoa pode ter momentos de terror na sua vida que aparecem sob a forma de catástrofe ou de mansinho sem a pessoa se dar conta, a par de momentos mágicos em que tudo se encaixa na perfeição sem o mínimo esforço, de preferência em slow motion.

Imaginando que eu já fui anjinho e que, antes de encarnar, escolhi o guião e aceitei protagonizar o filme da minha vida atual (como algumas teorias defendem), a psicose agrava-se. E às vezes pergunto-me se a diferença entre saúde e doença mental, para além de ser quantitativa, como costumo dizer, não está não na adaptação à realidade, mas na adaptação à sociedade e aos códigos sociais.

Cada um de nós é ator principal, ator secundário e figurante. Não estamos sozinhos no filme. É difícil dosear responsabilidade e liberdade, saber onde terminam as nossas e começam as dos outros. Mas, se cada um se sentir responsável e livre (quase uma redundância também!), cada um vai reconhecer essa responsabilidade e essa liberdade no outro.

Quanto ao Destino, dêem-lhe de uma vez o Nobel para ele ir para uma ilha, ter uma vida louca só para ele e deixar de se entreter com as dos outros! E não falei aqui nos espectadores, mas o público fica para outra oportunidade, porque eu também tenho medo de fantasmas...

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