sexta-feira, 20 de junho de 2014

Chemo Brain


(imagem do google)

Ouvi este termo numa das palestras do Congresso da Sociedade Portuguesa de Psicossomática, sobre a utilização de psicotrópicos nos pacientes com cancro. A psiquiatra Dra. Guida da Ponte falou da utilização dos psicofármacos, tanto no tratamento de sintomatologia do foro psiquiátrico como no tratamento de sintomas associados ao cancro (insónia, perda de peso, dor neuropática, afrontamentos...).

Eu não fiz medicação nesta linha, nem ansiolíticos nem hipnóticos ou anti-depressivos (alguns por escolha minha, mas outros não tinha indicação para fazer dado o nível de toxicidade hepática e à infecção que eu já tinha no fígado). Já bastava a quimioterapia protocolada.

Mas estou aqui para falar do "chemo-brain" (chemotherapy-induced cognitive dysfunction or impairment), o cérebro da quimio.

Neste site, encontrei o conforto e a ressonância que não encontrei em mais ninguém, nem amigos, nem médicos, nem em mim. Está tudo explicado.

http://www.cancer.org/treatment/treatmentsandsideeffects/physicalsideeffects/chemotherapyeffects/chemo-brain

What is chemo brain?

Here are just a few examples of what patients call chemo brain:
  • Forgetting things that they usually have no trouble recalling (memory lapses) CHECKED
  • Trouble concentrating (they can’t focus on what they’re doing, have a short attention span, may “space out”) CHECKED
  • Trouble remembering details like names, dates, and sometimes larger events CHECKED
  • Trouble multi-tasking, like answering the phone while cooking, without losing track of one task (they are less able to do more than one thing at a time) CHECKED
  • Taking longer to finish things (disorganized, slower thinking and processing) CHECKED
  • Trouble remembering common words (unable to find the right words to finish a sentence) CHECKED
Deixem-me adivinhar... Não tiveram cancro, estão a ler isto e a pensar "Também eu!" Pois, é exactamente esse o drama! É a resposta que toda a gente me dá quando me queixo. Lapsos de memória, problemas de concentração, dificuldades em fazer várias coisas ao mesmo tempo, desorganização mental e pensamento mais lento... Toda a gente tem e é tudo normal. Mas não! Se não tiveram um cancro e não fizeram quimioterapia e acham que estão na mesma, vão dar uma volta ao bilhar grande! Ou ao médico! Na mesma estava eu antes, quando era despistada... Todos sabemos o que é isto, mas em quantidades diferentes e é essa a diferença entre a normalidade e a patologia.

Though the brain usually recovers over time, the sometimes vague yet distressing mental changes cancer patients notice are real, not imagined. They might last a short time, or they might go on for years. These changes can make people unable to go back to their school, work, or social activities, or make it so that it takes a lot of mental effort to do so. Chemo brain affects everyday life for many people.

Usually the changes that patients notice are very subtle, and others around them might not even notice any changes at all. Still, the people who are having problems are well aware of the differences in their thinking.

Bom, já sabemos que é comum e que a quimioterapia que fiz foi a mais agressiva, o que aumenta a probabilidade de que estes sintomas se mantenham no tempo. Neste artigo, também referem as causas desta sintomatologia durante o tratamento (para além dos fármacos da quimio e do próprio cancro):

- toma de esteróides (corticoides), anti-eméticos, anestésicos, analgésicos e outros fármacos para as dores (no meu caso, morfina). Acrescento aqui anti-depressivos e psicotrópicos para quem faz essa terapêutica. Cheguei a tomar anti-epilépticos para a neuropatia e um anti-fúngico para a infecção no fígado e no baço, que interrompi por opção minha. 

- valores baixos nas análises de sangue;

- alterações no sono;

- infecções;

- fadiga;

- alterações hormonais;

- outras doenças associadas, para o caso de quem tem diabetes, tensão alta, etc.;

- deficiências nutricionais;

- alterações emocionais associadas a todo o processo.

É certo que durante a quimioterapia os sintomas eram mais gritantes e óbvios. Lembro-me de querer lembrar-me de certas palavras e estas aparecerem noutra língua, em espanhol, em inglês... aparentemente de forma aleatória. E há muitas coisas de que já não me lembro. Acredito que os esquecimentos que fazem parte deste "síndrome"  também constituem um mecanismo de defesa. A memória é nossa amiga. Apaguei muita coisa do tempo do hibernamento. 

Já sabemos que este quadro é "normal" dentro do cenário. O que fazer e como lidar com esta nova realidade? Neste artigo, encontramos algumas dicas, que também vão ao encontro do que já tenho vindo a sentir necessidade de fazer. Estas dicas servem para todas as pessoas que sentem estas dificuldades, uma vez que estes sintomas estão associados a outras situações e patologias que não o cancro e a quimioterapia.

- Agenda - fundamental!!! Com todas as notas e mais algumas! Desde reuniões e compromissos a notas pessoais e funcionais. Mas até neste ponto ainda me estou a habituar porque estive um ano sem agenda e perdi o hábito... Continuo a achar que a cabeça dá conta do recado sozinha, mas... não dá!

- Exercitar o cérebro - aprender alguma coisa, como uma língua nova, fazer jogos de palavras... No meu caso, escrevo, leio, dou aulas e frequento formações. Mas as minhas dificuldades moram mais nas actividades do dia-a-dia, na parte funcional, embora tenha muitas conversas de trabalho que, se não escrevo, não ficam na minha memória mais do que um minuto. O sistema faz logo reset para ter espaço para a informação que vem a seguir. Incidentes com as chaves de casa no primeiro mês de casa nova foram 3! Já não estava habituada a ter o meu espaço e o controlo sobre o mesmo.

- Descansar e dormir o suficiente - bom, decorrente da falta de horário de trabalho regular e rotinas, juntando a "desorganização", esta parte é difícil de disciplinar, não por dificuldades em dormir mas por ausência de rotina e horas fixas para me deitar e levantar. Tenho de gerir o meu tempo e também já não estava habituada a isto. E como se vê pelo meu discurso, é tudo sobre HÁBITOS! E o cérebro é um animal de hábitos!

- Praticar exercício físico - Obrigatório!!! O homem não foi feito para estar sentado mas para ir à caça! A mexer, para não comprometer as funções fisiológicas, entre as quais as cognitivas.

- Alimentação saudável - Veggies! Também aqui o desafio é enorme. Instabilidade, sobe e desce glicémico, corrida aos doces... Alimentação equilibrada, cérebro equilibrado! No doubt about it!

- Estabelecer e cumprir rotinas, inclusive na localização dos objectos. Regras, regras, regras! Será que é agora que vou começar a ser uma mulher organizada?

- Fazer uma coisa de cada vez!!! Focar! Esta é inevitável porque dá asneira quando salto esta parte e quero fazer tudo ou mais do que um pouco de cada vez!

- Pedir ajuda, para diminuir as distrações e não sobrecarregar o sistema mental;

- Apontar tudo, as dificuldades, os acontecimentos e as situações que dão origem às mesmas, tornar consciente estas ligações para poder identificar os stressores e as necessidades em situações futuras. Nada como nos conhecermos bem para podermos agir a nosso favor, tirando inclusive partido das dificuldades;

- Aceitar. Tentar contrariar, insistir e entrar em parafuso com as situações que criamos por tentarmos agir como sempre fizemos e não conseguirmos dar conta dos mesmos recados, da mesma forma, só nos faz entrar numa espiral de loucura, na qual já estamos, convenhamos. Aceitar retira-nos a variável ansiedade, permite-nos respirar, sentir e finalmente pensar... Para percebermos que afinal não estamos assim tão mal!

Estas dicas são úteis para todos! 

Agora uma nota para as pessoas que amorosamente me dizem que estou melhor do que elas... Vão ao médico ou reavaliem as vossas vidas porque estes sintomas revelam que alguma coisa se passa. Por que anda toda a gente esquecida e com dificuldades em atender e processar informações diversas, deixando escapar coisas importantes? 

Porque, meus amigos, andam todos com uma vida de loucos! Não páram, fazem mil coisas e nunca estão no momento presente - ou estão no que aconteceu antes ou no que têm de fazer a seguir! Assim, é difícil! Estamos nos tempos da hiperactividade cerebral e do déficit de atenção generalizado! É mais fácil dizer que os putos são hiperactivos! E os pais? Quantas tarefas realizam diariamente, quanto tempo dedicam ao descanso e às actividades de lazer, quando efectivamente PARAM? Não é da idade! Só não há é milagres, a não ser o próprio milagre de ainda estarem vivos!

Olhem a sorte de não me lembrar do que fiz ontem nem do que tenho de fazer amanhã: só posso estar aqui e agora! É a vantagem adaptativa do chemo-brain! E agora é aprender a tirar partido disso...

Take care!


(imagem do google)
















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