domingo, 5 de abril de 2015

Quase

Quase


Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Mário de Sá Carneiro

Este poema acompanha-me desde a adolescência e revisita-me o pensamento algumas vezes, quando me assalta a nostalgia. O paradoxo dos sonhos que se tornam dolorosos e do prazer da dor do não vivido. O que não se alcança tem a magia do inalcançável e é muito português isto: que piada teria o D. Sebastião ter regressado? Eu diria, com base na minha experiência pessoal, que a única forma de não beber do sofrimento é experienciar coisas boas e experimentar gostar delas. Parece simples, mas não é. Também conquistámos meio mundo e depois nicles... nunca poderíamos conquistar o mundo inteiro, sob pena de não parirmos um Camões e tantos outros que se seguiram!
Eu diria que a dor é a maior das companhias. E diria que o amor é a melhor das companhias. 

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