segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O poder da transformAção

Um dos lemas "CurAção" é emprestado do Lavoisier e diz: "Tudo se transforma." E a transformação dá-se dentro de cada um de nós, quando as coisas passam por nós, quando passamos pelas coisas e quando lhes damos nomes, cores, ritmos, sons, mais ainda quando as emprestamos aos outros que lhes dão o seu significado e transformam também a sua história. Faço isto na minha vida profissional mas trouxe esta magia para a minha vida pessoal, fazendo por contaminar mais uns quantos que se deixam tocar.

Por isso aqui não faz sentido estar sozinha nas minhas ações. Sim, posso fazer as coisas de que gosto sozinha, mas posso convidar e desafiar quem se identifique com o projecto a participar e a dar o seu contributo - ao nível das suas competências e da sua vontade - e as curações multiplicam-se. Por exemplo:

1. Sessão fotográfica das fotos de apresentação CurAção. Eu emprestei a minha cara e a minha careca, a Marta emprestou as suas competências como maquilhadora e a Cindy as suas competências como artista plástica. Posso dizer que a sessão foi terapêutica para as três, por razões diferentes e o resultado foi triplicado relativamente ao que teria sido se tivesse optado por publicar uma fotografia minha simplesmente careca. E a experiência de ser careca foi transformada, desconstruída, assumida, reconstruída, desmistificada, mesmo que lhe possamos atribuir um valor místico, pelo carácter ritualístico que possa estar associado a esta ação que teve também a intenção de marcar uma mudança, externa e interna.

2. Projecto Boomerang. A Sara empresta-me as suas fotos e eu as minhas palavras. Eu poderia tirar fotografias ou escolher imagens e dissertar sobre elas, mas este projecto é transformador da experiência subjectiva da Sara como fotógrafa porque, nas minhas palavras, a sua imagem assume outro significado, que depois assume um terceiro significado quando traduzimos para inglês e que depois viaja até aos seus amigos nos E.U.A. que vão interpretar à luz da sua experiência, que já não é a minha nem a da Sara, a original. E assim este projecto tem também e principalmente a função de nos manter ligadas e continuarmos a fazer parte da curação uma da outra, pois ambas tivemos experiências com o cancro, que continuam a ser elaboradas e transformadas dentro de cada uma de nós.

3. Textos que escrevi para o espectáculo "Crio" da ArteMove. Os textos foram escritos para o espectáculo, mas, a partir da altura em que os entreguei e foram interpretados por outras pessoas, a minha experiência contida naquelas palavras expandiu-se à experiência de quem encenou e de quem as interpretou. Tendo escrito sobre mim, ainda que sob os temas que me foram propostos, já tinha dado nome a tantas coisas minhas que vivi este ano, mas, quando o Pessoa Júnior pega nos textos e lhes dá forma, acrescenta o seu ponto de vista, que toca no meu, mas já é outra coisa. E quando os intérpretes lhes dão vida no palco e os associam ao movimento e à dança, já todos estavam em curação, mesmo sem saberem, a falar sobre "ser feliz", o "coração que fala sozinho", o "ser criança" e tantas outras palavras que voaram até ao público e chegaram já como uma quarta experiência, que já não é a minha, nem a do Júnior nem a dos intérpretes.

3. Vídeos de dança com os KDM. Qual era o interesse de eu continuar a gravar-me a dançar sozinha para marcar este ano curação e a dizer que, sim, a dança faz parte da minha cura? Se eu posso acrescentar os dotes do Djam como coreógrafo e criativo e dos meus colegas que enriquecem a experiência e o resultado, para quê fazê-lo sozinha? Todos entram nesta viagem curação e, embora eu não possa falar na sua transformação, posso falar da minha, que não só fui desafiada para além da minha zona de conforto, como renovei dentro de mim a confiança neste caminho.

4. 1º Concerto solidário Princesa Leonor. A Lara Afonso tem uma sobrinha, a Nonô, que tem um cancro. A Lara tem uma canção sobre e dedicada à Nonô. A mãe Vanessa desafia-me para dançar neste concerto enquanto a Lara canta, não como profissional - que não sou nem pretendo ser - mas como a pessoa que passou também pela doença. Como fazê-lo sozinha e para quê? Desafiei a ArteMove e pus mais 4 pessoas a mexer, que ficaram a conhecer o projecto dos Aprendizes da Nonô, a minha história e entraram em curação comigo. Acrescentei as competências da Paula Careto como coreógrafa e as competências do Afonso, da Bárbara e da Inês como bailarinos e o resultado foi potenciado, mas só será avaliado amanhã ao nível das 2000 pessoas que estarão a assistir. O que é mágico aqui?

Experiência da Lara como tia de uma criança com cancro numa música ------- Eu interpreto as suas palavras à luz da minha história como doente oncológica -------- A Paula pega na minha ideia e interpreta-a dando-lhe movimento e construindo uma história coreográfica, que já tem uns pozinhos a mais relativamente ao que lhe passei ---------- Eu, o Afonso, a Bárbara e a Inês vamos emprestar as nossas emoções e histórias pessoais à interpretação da coreografia da Paula, transformada só por isso noutra coisa ----------
o público há-de receber a informação e transformá-la ainda noutra história, mas estarão todos em curação se se deixarem tocar por nós todos. E assim se envolve mais pessoas numa só causa.

O mais interessante nisto tudo, a título pessoal, é a de que estas e outras ações valem mais pelo processo do que pelo resultado. As horas passadas em interAção com todas as pessoas envolvidas, em ensaios, fotográficos, de escrita ou dançados, são mais transformadores e curadores para mim do que o resultado final, mas o resultado é a consolidação e o registo da própria mensagem, que pode depois chegar mais longe, para lá do círculo de amigos. E assim se vai transformando cá dentro toda uma experiência de forma a que ela não se repita, porque, apesar de todo o protagonismo, não é a doença o centro da curação, muito menos o fim, mas apenas o início e o ponto de partida para outras viagens. Tudo se transforma.

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