sábado, 22 de março de 2014

“Não vais levar um casaco?” (a propósito da Primavera)

Sexta-feira, 21 de Março de 2014

As mães vêm com uma programação que as obriga a dizer certas coisas e a ter certos comportamentos que as acompanham na sua vida toda com os seus filhos. É como se dissessem: “esta é a minha função, preocupar-me contigo e proteger-te.” Eu tenho uma mãe assim. É o conteúdo da pergunta ou da resposta que interessa? Não. Interessa cumprir o seu propósito, mostrar que se preocupa e assumir o papel de tomar conta da filha. A minha mãe está farta de saber a resposta à pergunta do “casaco” mas tem de a fazer, sai-lhe de uma parte do cérebro que ela não controla. Está no programa.

As mães devem estar programadas também para se separarem dos seus filhos à medida que estes vão “crescendo e aprendendo”, para conseguir amar deixando-os ir, porque querem que eles sejam felizes, um amor superior ao aperto com que eventualmente ficam no coração. Eu tenho uma mãe assim. Que me ensinou também a amar assim, a procurar em mim um amor suficientemente incondicional que me permita querer a felicidade das pessoas de quem gosto, independentemente dessa felicidade passar por estarem ou não a meu lado. Tenho a sorte de ter uma mãe que não utiliza o seu aperto no peito para me manter ao lado dela, nem ameaça sofrer desalmadamente na minha ausência. Aprendi a não o fazer com as pessoas da minha vida.

Ao longo da sua vida de mãe, as mães vão fazendo actualizações dos seus programas e aplicações, até porque os filhos têm temperamentos e personalidades próprias e é necessário rever atitudes e comportamentos. E por isso as mães não podem ser iguais com todos os filhos. A programação tem de ser ajustada, ainda que as funcionalidades sejam as mesmas. Difícil.

Se para uma mãe é difícil lidar com o sofrimento dos filhos, para os filhos também é difícil lidar com o sofrimento das mães. Fica aquela pergunta a pairar: “o meu amor não é suficiente para tu não estares triste?” E a resposta é que não é, porque cada um de nós tem um mundo próprio dentro de si, separado do mundo dos outros, ainda que em relação com eles. É por isso que é necessário saber dizer não a um filho e saber dizer não a uma mãe, com legitimidade. E transferir essa capacidade para todas as outras pessoas com quem nos relacionamos. Amor incondicional é aguentar a dor de uma mãe, de um filho e de seja quem for sem ceder naquela que é a nossa verdade. Não é: não. Para o bem de todos.

Quando um filho adoece, o sistema de alerta das mães é accionado e volta tudo ao princípio. À simbiose, à não-separação, à ausência de limites, ao sim. E, se volta tudo ao princípio, tem de passar tudo pelo meio para chegar outra vez a um determinado fim. O que não é propriamente fácil para ninguém, sobretudo quando já se anda, já se fala, já se é adulto e já se foi independente.

Se as mães não devem chantagear os filhos para que não saiam da sua beira, os filhos também não devem chantagear as mães para que lhes dêm a atenção que alegadamente merecem, não porque não a mereçam, mas porque a chantagem emocional começa no sofrimento de alguém e termina no sofrimento de outro alguém. De qualquer forma, está nas mãos de cada parte ceder à chantagem ou não, porque a verdade é que o sofrimento, que toca a todos, leva a distorcer o amor e ninguém está livre de ser um grande chantagista ou um grande chantageado, mesmo que das formas mais rebuscadas e inconscientes. Faz parte.


Assim sendo, também faz parte esquecer-me do casaco de vez em quando para poder ouvir um “não  vais levar um casaco?” de quem me quer bem.

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