sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O primeiro dia do resto da minha vida


Quando decidi ir para Cabo Verde, em 2011, mal eu sabia para onde esse avião me iria verdadeiramente levar... uma viagem sem retorno. Renascer. Começar de novo. Já estava a sentir a experiência sem saber que era apenas o primeiro passo num caminho longo, sinuoso, que passaria por um cancro e me levaria até onde me encontro neste momento. Partilho convosco o registo do meu primeiro dia desta aventura em CV. Está tudo aqui nestas palavras... despir-me... Despi-me... Mas a vida iria levar-me a despir muito, mas muito mais!

20/11/2011

Bichos… manifestações de vida que conseguem perturbar o juízo de qualquer parte de mim, desde que fui levada a acreditar que o seu lugar não seria dentro das mesmas quatro paredes onde tento dormir. Dormir… com o estranho bicho que teima em cantar algures perto dos meus pés. Não o vejo, não o procuro, olhos que não vêem para o coração não acordar a inquietação que evita manifestar-se  a todo o custo, mas que já foge nestas palavras. Podes voltar a ressonar ao meu lado; estás perdoado! Eu é que ainda não me perdoei por ter dispensado esse privilégio!


(e canta a Alicia Chaves neste momento: “…and i pray for forgiveness as it’s hard for me to pretend”)

Quando pensei em voltar a dividir casa com alguém, (...) não me ocorreu que as discussões fossem apenas nós que se criam num cordão que une umbigos que se estão a conhecer e reconhecer permanentemente, nós de marinheiros embarcados nas naus da Tormenta e da Boa Esperança. E que esses nós têm o poder de unir e separar ao mesmo tempo, o que não deixa de ser uma questão de opção. O que não é opção é o confronto. E perante o confronto há então a opção. Ficar ou retirar.

Tormenta ou Esperança? Meio cheio, meio vazio? Por que choro rodeada de sorrisos? Porque o desconhecido se apresenta sempre despido e habituaram-nos a vestir tantos trapos sem os quais já não podemos passar. Já não sei ver-me despida. Bem, só devo ter sabido o que isso era no momento em que nasci e regredir assim tanto é doloroso, porque neste novo parto sou parteira, sou parturiente e sou nubente. Claro que tinha de chorar! Estou viva, não é esse o primeiro sinal? Mas claro que não posso só chorar, senão nem “a ferros” o parto se dá! (Mas por que raio nasci outra vez e tenho outra vez uma cama vazia ao meu lado? Oh Karma, que merda é esta?)

Assim, despir-me de máquinas, mecanismos, bengalas, conceitos e preconceitos, hábitos e manias, roupagens do novo mundo que, de velho, se esqueceu de gatinhar, de dar primeiros passos,  de brincar… foi o que pedi semiconscientemente de há uns tempos para cá…  e o que des-pedi assim que aqui cheguei!! Oh tempo, volta para trás!

O que leva a D. Dulce a vir dar-me um abraço, a convidar-me para dormir na casa dela, a D. Marina a oferecer-me o jantar, o Félix a pintar estas paredes antes de me conhecer? Por que teima este bicho não identificado em cantar desde as 3h da manhã no meu quarto? Por que está a cama do lado vazia? Por que está o espaço ao meu lado vazio? Por que está a minha bexiga cheia para não me mijar de medo na “sala di banho” do outro lado da estrada de terra batida?

Quando a D. Dulce bate à porta a avisar de que a luz já tinha voltado e que podia apagar as velas que me orientaram nas primeiras horas depois de o sol se pôr, disse-lhe em tom de brincadeira desesperada “ah, afinal há luz! Quiseram dar-me as boas vindas da praxe!” Não tinha eu esperado que procurar a minha Luz pudesse ser TÃO LITERAL como caminhar às escuras de vela na mão num sítio completamente  desconhecido. Jantar à luz das velas. Bem, se é para voltar a vivenciar a Natureza, nada melhor do que ser recebida coma luz do fogo, que queima e transforma, em vez da lâmpada, confortável, mas estática… Não era essa a ideia?

Quem sabe descubra outro Fogo em mim. A jornada começou. Nem posso pedir para acordar e descobrir que foi só um sonho porque ainda não dormi e as galinhas já cantam há algumas horas!

To the shake of an earthquake, I will never fall. That’s how strong my Love is…” canta a Alicia enquanto termino estas palavras… Smile. Não está tudo bem, mas está tudo certo. O que é isso do “tudo bem?” 8h. O bicho calou-se. 

A Jornada tinha mesmo começado! A Jornada que escolhi começar...

(adoeci precisamente um ano depois, na sequência de um ano tão duro como fascinante, e voei de CV para o Hospital de Cascais)

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