domingo, 22 de janeiro de 2017

Carta ao Sou-Doutor #3


Caro Sou-Doutor,

Como tem passado? Não lhe escrevo há quatro anos e por isso muita coisa tem ficado por lhe dizer. Hoje, em particular, queria dizer-lhe que o Sou-Doutor tem muito mais importância na vida dos seus pacientes do que imagina, principalmente quando estão doentes! Sim, porque nem sempre um paciente está doente mas, na verdade, cada vez mais, é preciso que este seja uma pessoa verdadeiramente paciente consigo! E, convenhamos, no seu consultório, alguém está a ser pago para ter paciência e não é a pessoa que o visita! (cof, cof, com a mão na boca para não espalhar germes...)

Já destilei a minha irreverência - veneno era o antibiótico que me prescreveram anteontem e não saíu do saco - e, agora, passo à reverência em si. 

Sou-Doutor, o Sou-Doutor é importante na vida da pessoa que procura a sua ajuda e, como tal, é importante olhá-la nos olhos e estar disponível. Sabe? A pessoa que procura a sua ajuda está, muitas vezes, com dores ou em sofrimento. A forma empática - e até simpática, por que não? - como é atendida pode fazer a diferença. A ansiedade que possa estar associada à gestão da dor e do mal-estar potencia o próprio sofrimento e a sua disponibilidade pode mesmo ser logo a primeira terapêutica a aplicar, com resultados muitas vezes visíveis ao nível da sintomatologia apresentada. 

Sou-Doutor, o Sou-Doutor é importante e aquilo que diz tem impacto na vida da pessoa que o ouve, porque o Sou-Doutor estudou e tem conhecimentos válidos. É, por isso, importante a forma como comunica, como fala, como se expressa, como passa esses conhecimentos. Muitas vezes, as suas palavras vão ficar a ecoar na cabeça do seu paciente e vão ter repercussões maiores do que as que julga, à partida. 

Sou-Doutor, o Sou-Doutor é importante - caso contrário, não o procurariam! Um doente que o questiona não quer, de todo, retirar-lhe valor ou poder; quer apenas dizer-lhe que pensa, que sente e que carrega com ele o corpo que vai ser examinado e levar com as drogas que lhe receitar. É ele que tem as dores, é ele que vai conviver ou não com os efeitos secundários, foi ele que carregou aquele corpo desde que nasceu e é ele que vai morrer no mesmo.

Sou-Doutor, o seu paciente vai responder às suas crenças, aos seus medos, às suas fragilidades, à sua pessoa, porque, felizmente, as máquinas ainda não substituiram os médicos nos hospitais. Com isto, quero dizer-lhe que um paciente pode sair pior do que entrou no seu consultório por alguma coisa que lhe tenha dito, inadvertidamente. Não há verdades absolutas e a franqueza pode ser veiculada de várias formas. 

Por último, Sou-Doutor, uma pessoa doente está vulnerável e, por vezes, a palavra de conforto, a aproximação, o toque, o saber ouvir, o respeito e o não-julgamento podem ser terapêuticas mais eficazes do que muitos fármacos. Use o poder que tem para ajudar pessoas sendo pessoa. Temo que seja tão importante e apenas não o saiba.

Sem outro assunto de momento,
Rita Nobre Luz, ativista das soft skills no SNS




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