sábado, 15 de novembro de 2014

Os pés pelas mãos


Não há uma pessoa com quem eu desabafe sobre os meus medos, as minhas inseguranças, os meus sintomas e as minhas noias de sobrevivente - e que não tenha passado por um cancro e por quimioterapia - que me entenda. É uma verdadeira frustração. Porquê? Porque o facto de estar viva alegadamente tirar-me-á o direito de reclamar do que quer que seja. Estar viva depois de ter roçado os términos da vida tira-me o direito de chorar a outra vida que perdi para sempre, bem como o direito de me ir adaptando, uns dias com sucesso e outros sem sucesso, à nova realidade. (Mas parece que até o sucesso de estar viva me tira o direito de querer ter outros sucessos na vida. "Estás viva, estás a queixar-te do quê?") Ser psicóloga também não ajuda nessa compreensão da parte dos outros, porque eu sou a "compreendedora" e o facto de "saber" devia impedir-me de sentir. Pior se eu própria validar isso, porque abro uma linha directa para as emoções se manifestarem apenas fisicamente, mas essa questão fica para outras núpcias.   

Pois bem. Agora fala a paciente. 

Não sou de guerras, sou de natureza conciliadora. Gosto de harmonia, não gosto de coisas certas mas gosto de coisas bonitas. Tenho o coração treinado para reagir à dor e sossegar com o amor, embora às vezes a coisa vá ao contrário. Mas a vida é dualidade e eu propus-me continuar por cá mais uns tempos. E aceitei. Por isso, se ser criativa é a terapia que tomo para mim, não quer dizer que tenha deixado de repetir padrões e dramas que volta e meia me revisitam e que não seja emocional como qualquer pessoa que ainda experimente ser tomada pelas emoções ou qualquer mulher que ainda vibre como tal. Por isso, sim, é uma merda cada descida vertiginosa na montanha russa, ainda que seja essa descida que me dê balanço para a subida e para chegar à meta.

Metade das pessoas que conheço não sabe da vida, passeia-se por ela. E hoje eu acho que saber da vida começa por observar e ouvir. E sentir. Não julgues, sente. Não fales, sente. Não opines, sente. Não penses, respira. Depois de observar, ouvir, sentir e respirar, podes falar. Do coração e com pés e cabeça.



"Não sejas assim!"
"Não penses assim!"
"Não te sintas assado!"


Liberdade de expressão?











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