quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Eu deliro, tu deliras, ele delira, nós deliramos...


Segundo o wikipédia, delírio é uma falsa crença mantida com grande convicção. Eu sempre considerei a diferença entre a normalidade e a psicopatologia quantitativa, mais do que qualitativa, e que a fronteira estava na capacidade de adaptação da pessoa à realidade, na forma como o comportamento ou pensamento podia interferir ou não com o desempenho na vida diária, na própria e na dos outros. A partir da altura em que deixamos de ser livres, escravos dos pensamentos e dos impulsos ou compulsões e interferimos com a liberdade dos outros, algo tem de ser visto ou revisto. Mas o problema aqui é que, até ser diagnosticado, da normalidade à patologia, existe uma linha contínua e podemos encontrar-nos em vários pontos dessa linha, em diferentes alturas da vida. Numa tentativa de qualificar e quantificar a saúde mental, existem critérios mas existe também tanta gente que se encontra no meio do caminho, mas não no sítio que marca a virtude: um bocadinho mais para o lado de lá...

E a saúde mental num contexto de doença física? Penso já ter deixado claro noutras publicações que olho mais para a saúde mental como desencadeante de saúde ou doença do corpo, mais do que o contrário, mas hoje quero pensar exactamente no oposto, uma vez que esta estrada não tem sentido único: como o limite físico nos deixa no limbo da saúde mental ou pode empurrar mesmo para o lado de lá quem já se encontra a dois passinhos da fronteira. Sim, eu digo que as coisas antes de o ser já o são. Não sei se já alguém disse esta frase, mas já a repito há alguns anos, em diferentes contextos. Neste caso, ninguém descompensa sem já estar no caminho. Mas, em última análise, estamos todos nesse caminho. Ninguém é 100% são ou 100% doente.

Há saúde mental sem saúde física? Não são todas as nossas partes um todo?

No meu caso, no limite das minhas forças físicas, a doença empurrou-me para uma bifurcação: ou te acalmas ou dás em doida. Num acto de sobrevivência, escolhi o caminho da paz, porque todas as minhas energias tinham de estar concentradas na recuperação física. Ansiedade, medo, obsessão... Este caminho consumia-me demasiadas energias para conseguir permanecer nele durante muito tempo. Seria o colapso. De repente senti que as opções eram duas: ou te acalmas ou te acalmas (tinha mesmo este diálogo mental comigo mesma), porque as coisas já eram suficientemente difíceis para que ainda as complicasse mais. E assim me acalmei nos momentos mais difíceis, com mecanismos e recursos internos e externos que encontrei e que me facilitaram a escolha do caminho da saúde (mental e física, uma vez que Saúde é só uma). Praticamente sem esforço. É a tal programação biológica para a sobrevivência.

Por outro lado, desviar a doença para o corpo, descurando a mente, também é mais aceite pela sociedade. É melhor ser doente do que louco. Mas não será a doença uma loucura do corpo e a loucura uma doença da mente?

Paranóia de sintomas; viver obcecado com sinais; ler e escrever só sobre estes temas; romancear as vivências; ver cores onde só existe o preto no branco; perseguir médicos e solucionadores da saúde/doença; ter diálogos com o Além (e o Aquém); perseguir sonhos e cumprir objectivos que mais ninguém percebe porque não dão dinheiro, não rendem e estamos numa sociedade capitalista; ter dificuldade em manter uma conversa normal com as pessoas normais - "já viste isto? é sempre a mesma coisa... e a crise? e a celulite? e ele não me liga... é sempre a mesma coisa... 'tou tão cansada, é só trabalho, trabalho... é o costume... fogo (chamem os bombeiros!)..." Desculpem, é muito difícil manter a saúde mental intacta depois de tanta cambalhota... Assumo a loucura. Agora... cada um assuma a sua!

(Mas pára de me telefonar, empurrado pela tua convicção, porque não partilho dela. Falsas ou verdadeiras, tenho outras! Haja saúde!)


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