quarta-feira, 26 de novembro de 2014


A todo o tempo fazemos escolhas. Pomos o despertador, calculamos o tempo de que necessitamos para sair de casa de manhã, escolhemos o que vamos comer, o que vestir, eventualmente o caminho que vamos fazer para chegar ao destino... A vida é uma sequência de escolhas, decisões que tomamos ao sermos quem somos, em determinado momento, num determinado contexto. Mudasse uma peça do puzzle e o puzzle seria outro. Essa é a responsabilidade que temos. E o poder também.

A primeira pergunta que me fiz quando me vi na cama 7 do piso de hematologia do IPO de Lisboa, onde passei a fase mais bizarra da minha vida (provavelmente a seguir à incubadora, mas dessa não me lembro), foi: "Rita, em que momento da tua vida decidiste passar por isto? Que escolhas fizeste que te conduziram até aqui?"

As respostas vieram (e continuam a vir!) durante os meses seguintes no muito tempo que tive para pensar, sentir e escolher - até os pensamentos se podem escolher ou, pelo menos, o que fazer com eles! Digo sempre que as respostas não são importantes. Importantes são as perguntas! A resposta vai chegando, sob várias formas que nos revelam o conteúdo.

Segunda-feira começou atribulada por conta da greve dos revisores da CP. Não vou dizer mal dos senhores porque não estou no seu lugar e prezo o direito à greve, que não teria qualquer efeito se não afectasse uma catrefada de gente em cadeia. Desde não conseguir chegar ao trabalho a horas - depois de esperar por dois comboios sem sucesso e picar o bilhete para o Cais do Sodré - a esquecer-me de pôr gasolina depois de ter feito o pré-pagamento e ter de voltar atrás, esperar (im)pacientemente que o senhor que parou à minha frente nas portagens encontrasse a carteira, ouvir a senhora das portagens a maldizer o dito senhor, olhar para o painel na A5 que dava conta de um acidente a 5km... E nada isto teria importância se não tivesse crescido uma boa dose de ansiedade e irritação dentro de mim, que só queria que o meu dia e a minha semana começassem bem.

Olhei para fora e vi que estava um sol fantástico, depois de um domingo mega chuvoso. Senti-me na verdade grata pelo dia lindo que estava. Eu estava com pressa, o senhor sem carteira provavelmente desorientado, a senhora das portagens irritada e eu, ficando furiosa com ela, ia chegar ao pé do meu aluno (pt de Pilates) a lamentar-me da vida e ele ainda tinha de levar com o meu stress depois de ter levado com o meu atraso. Ao observar todas estas reacções em cadeia, decidi que o meu dia ia correr bem e que estava nas minhas mãos, e não nos obstáculos que encontrasse, que corresse bem .

Desejei um bom dia à senhora das portagens, sorri ao dia fantástico que a natureza me oferecia e foquei-me nas pessoas com quem trabalhei. Posso agradecer aos senhores revisores o almoço na esplanada em Belém, com um sol que me aqueceu a alma. Se não tivesse levado o carro para Lisboa, não teria agarrado no carro e ido para Belém no intervalo de almoço para não pagar um dia inteiro de estacionamento no Chiado. Foi um dia mais caro mas posso dizer que o dia correu bem e a semana começou da melhor maneira. Porque escolhi que ia ser assim. Se não tivesse carro ou não conseguisse ir trabalhar, também o dia teria trazido outras oportunidades, ainda que sem rendimentos. Tivesse eu feito outra escolha e o dia teria sido vivido de forma diferente.

Sei que a vida não me põe nada à frente que não esteja a precisar de enfrentar e que não esteja ao meu alcance encarar. Sei que está tudo bem. E é nas pequenas coisas que está o segredo para os grandes desafios, grandes desafios que encerram o segredo para darmos valor às mais pequenas coisas.




















sábado, 22 de novembro de 2014


Adoro a crise. Não obstante as sérias dificuldades que muitas pessoas podem estar a passar, todos os dias nascem projetos como cogumelos. Cada pessoa constitui um projeto de vida, com objetivos, sonhos e potencialidades. E, em crise. quem se abre à mudança, procura todas estas coisas em si. Já não resulta ter um emprego só para ganhar dinheiro e não estar a funcionar com as plenas capacidades. Muito menos submeter-se à exploração de quem se aproveita da fragilidade dos outros. O modelo antigo expirou e acredito que quem quer manter-se nele vai perdurar na crise.

A crise está a juntar as pessoas. Quando passo mais tempo em frente à televisão ou no facebook, deparo-me com projetos sociais e de solidariedade que se fazem da união de esforços, saberes, vontades e necessidades. Sim, há pessoas a passar pelas ruas da amargura que nos fazem descobrir em nós a aptidão natural para o amor. 

A crise está a pedir-nos que deixemos de funcionar entre 4 paredes e que partilhemos, em open space mental, competências, dúvidas e conhecimento. Parceiros já não são só apanágio dos casais. E missão já não é só do domínio do mundo empresarial. As empresas procuram parceiros. As pessoas procuram definir missão, valores e visão para si e para as suas vidas. 

Manda a crise que não esteja cada um no seu canto, sossegado na sua vida. Sossego é coisa rara nestes dias. Os filhos da revolução nasceram revoltados, sem serem tidos nem achados, e vieram dar a volta por cima, pedindo que não lhes matem a esperança. 

Estamos no barco. Importa remar. 

sábado, 15 de novembro de 2014


Não há uma pessoa com quem eu desabafe sobre os meus medos, as minhas inseguranças, os meus sintomas e as minhas noias de sobrevivente - e que não tenha passado por um cancro e por quimioterapia - que me entenda. É uma verdadeira frustração. Porquê? Porque o facto de estar viva alegadamente tirar-me-á o direito de reclamar do que quer que seja. Estar viva depois de ter roçado os términos da vida tira-me o direito de chorar a outra vida que perdi para sempre, bem como o direito de me ir adaptando, uns dias com sucesso e outros sem sucesso, à nova realidade. (Mas parece que até o sucesso de estar viva me tira o direito de querer ter outros sucessos na vida. "Estás viva, estás a queixar-te do quê?") Ser psicóloga também não ajuda nessa compreensão da parte dos outros, porque eu sou a "compreendedora" e o facto de "saber" devia impedir-me de sentir. Pior se eu própria validar isso, porque abro uma linha directa para as emoções se manifestarem apenas fisicamente, mas essa questão fica para outras núpcias.   

Pois bem. Agora fala a paciente. 

Não sou de guerras, sou de natureza conciliadora. Gosto de harmonia, não gosto de coisas certas mas gosto de coisas bonitas. Tenho o coração treinado para reagir à dor e sossegar com o amor, embora às vezes a coisa vá ao contrário. Mas a vida é dualidade e eu propus-me continuar por cá mais uns tempos. E aceitei. Por isso, se ser criativa é a terapia que tomo para mim, não quer dizer que tenha deixado de repetir padrões e dramas que volta e meia me revisitam e que não seja emocional como qualquer pessoa que ainda experimente ser tomada pelas emoções ou qualquer mulher que ainda vibre como tal. Por isso, sim, é uma merda cada descida vertiginosa na montanha russa, ainda que seja essa descida que me dê balanço para a subida e para chegar à meta.

Metade das pessoas que conheço não sabe da vida, passeia-se por ela. E hoje eu acho que saber da vida começa por observar e ouvir. E sentir. Não julgues, sente. Não fales, sente. Não opines, sente. Não penses, respira. Depois de observar, ouvir, sentir e respirar, podes falar. Do coração e com pés e cabeça.



"Não sejas assim!"
"Não penses assim!"
"Não te sintas assado!"


Liberdade de expressão?











sexta-feira, 14 de novembro de 2014


Dizer adeus é entregar a Deus. E entregar não é fácil. Não poder controlar o que é nosso, perceber que nada é na verdade nosso, aceitar perder o que é nosso para sempre.  
A vida não é para sempre, mas é sempre que o homem quiser. Mas o homem às vezes não quer mais. Nunca mais.  
Não me abandones. Fica mais um dia e começamos de novo, tudo de novo. Como se não houvesse amanhã. Só não me deixes acordar e perceber que não há....  

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Partilho com vocês as minhas fotos do último espectáculo da Arte Move, "Desassossego", o primeiro a dançar depois do cancro e por isso muito especial. É preciso quase um guindaste para me tirar do chão mas a intenção está lá. Ou cá. Ainda não regressei à dança depois do verão porque não me tenho sentido operacional, mas... me aguardem!

Obrigada Instant Bulb e Arte Move pelas fotografias!

(para ilustrar as fotos, seguem-se dois dos textos que escrevi para o espectáculo)

Todos os dias espero este momento, o momento em que me desassossegas e me fazes transgredir a regra de ser apenas eu. Todos os dias espero este momento, que me sossega as dores e o sofrimento. Todos os dias sou movimento, brisa suave ou forte - o vento. 

Hoje era para ser ontem. Os minutos não sabem ser horas e as pessoas esquecem-se de ser gente. Gente daquela que vem sem relógio, sem telefone, sem tv, sem porquê. Gente daquela sem calendário para agendar o amor ou computador para esconder a dor. As pessoas esquecem-se de ser gente que sente, que cai, que salta, que se equilibra, se desequilibra, se levanta, se encolhe, se expressa, se abraça, se separa, corre, pára, anda, entra e sai… Apenas gente no desassossego de ser gente. 

Fotos: Instant Bulb
Montagem: CurAção



E a Flávia Flores esteve em Portugal! Foi dos primeiros projetos que eu partilhei como inspiração aqui no blog, o seu "Quimioterapia e Beleza". Cada pessoa que decide actuar na área depois de passar pelo cancro, utilizou primeiro os seus conhecimentos para conseguir fazer frente aos desafios do seu processo terapêutico. No caso da Flávia, que foi modelo e sempre trabalhou no mundo da moda sem perceber muito bem se aquela linguagem de facto a preenchia, com a utilização desses conhecimentos durante os tratamentos que se seguiram ao diagnóstico de cancro da mama, conseguiu agarrar-se à vida e à sua feminilidade, tendo descoberto que auto-estima é tudo e que pode haver beleza neste percurso tão acidentado. E por isso agora leva as aprendizagens que retirou da experiência às suas cats, alcunha que dá às mulheres que passam pelos tratamentos oncológicos, contribuindo para que não se percam de ser mulheres, ainda que as mudanças físicas as deixem irreconhecíveis. Que o inventor da maquilhagem se orgulhe desta senhora!
Consigo entender este lado criativo - meio louco - que nos ajuda a lidar com os momentos difíceis e a transformar experiências dolorosas em experiências bonitas de transformação interna, porque é isso que representa uma cabeça careca pintada como a minha ou os quadros e as fotos que a Flávia tem vindo a fazer com vários artistas neste percurso. Quando a aparência nos ajuda a contactar com a essência e quando o essencial nos leva a melhorar a aparência. 

E aqui estamos no lançamento do livro "Quimioterapia e Beleza", que foi seguido de um jantar, onde só uma mulher não é cat, mas é simpatizante. Partilha de experiências, de sorrisos, de truques e de energia positiva. Mais blogs a nascer e pessoas a renascer, na era em que os blogs passaram a constituir uma ferramenta de transformação pessoal e social.

E foi no dia 30 de Outubro, para fechar o Outubro Rosa e marcar o dia da prevenção do cancro da mama, que a Vera Ferreira, com o seu "Cancro é Vida", organizou uma palestra e convidou-me para falar com ela sobre e sob o tema "Cancro aos 30! E agora...?". Foi um momento muito especial, em que as nossas duas partilhas se completaram naturalmente, porque estávamos alinhadas em intenção e receios/responsabilidade. E assim está dado o pontapé de saída para as nossas histórias sairem do ecrã do computador, porque, de nós, já saíram há muito tempo!

Da minha parte, pergunto-me todos os dias que mensagem quero transmitir. Esta experiência fez-me perceber que tenho material para ir para vários lados e para explorar várias questões. Só em escrita já tenho 3 dossiers A4... Por isso tenho mesmo de me focar no que é importante em determinado momento.

Sobre o Cancro aos 30, posso dizer que:

- é um pau de dois bicos: se por um lado, vejo-me aos 30 com as "pernas cortadas", obrigada a deixar uma vida para trás e dar lugar a outra numa fase em que a expectativa seria a de ter as coisas organizadas ou encaminhadas a todos os níveis (profissional, pessoal/familiar, financeiro); por outro lado, vejo-me com cancro numa fase em que já tenho recursos profissionais e pessoais para pôr ao serviço da recuperação e essa para mim foi a maior vantagem: ter ferramentas e, teoricamente, uma vida pela frente! Claro que de uma forma diferente do que me era expectável há uns anos atrás, mas penso que esta é uma situação comum em muitas pessoas na casa dos 30 que se encontram numa situação que não esperavam há dez anos atrás. Prometeram-nos que aos 30 teríamos juventude, família, carreira e alguma estabilidade, mas afinal os 30 até podem ser mais emocionantes do que qualquer adolescência...

- é curioso que, ao encontro do que estou a dizer, surjam tantos projetos e blogs de pessoas que se encontram com o cancro aos 30's. Parece que a confiança e a maturidade que já se começa a ter aos 30, bem como a esperança nos tantos anos que ainda podemos vir a viver podem servir como estímulos de força, em vez de de vitimização. Eu pelo menos aos 20 não acreditaria tanto em mim!

- para quem consegue encontrar no cancro um sentido e um caminho para a vida, os 30 são uma boa altura para esse input acontecer. É verdade que a nossa geração está menos "orientada" do que a que estaria a dos nossos pais ou avós aos 30 e a "crise" faz-nos questionar, perguntar e, com sorte, encontrar! Acredito que nada acontece que não estejamos a precisar (não precisava de um cancro, mas do que ele me trouxe talvez, donde... talvez precisasse).

Obrigada ao "Cancro é Vida", à Vera, à Câmara Municipal de Almada e às pessoas que estiveram presentes! Até já!

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