quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A tempestade depois da bonança


Subtítulo: E agora? O meu relacionamento afectivo com a vida e comigo mesma

I.                    Homeostase emocional

Modo “Sempre assim, em baixo em baixo em baixo”
Mantenho me muito tempo em cima, contrariando, contornando ou confrontando-me com as minhas dificuldades e frustrações – consoante os momentos – e, quando venho abaixo, bato no fundo para voltar a subir à tona de água. Angústias. Medos. Ansiedade. O pacote-todo-das-coisas-que-não-queremos-manifestar-e-que-tomam-uma-forma-ainda-mais-assustadora-de-tanto-as-tentarmos-esconder. Chorar, lamentar, zangar, pedir ajuda. Modo não-gosto-de-me-ver-assim-mas-se-não-me-assumo-assim-nunca-mais-ando-para-a-frente! Eu zangada com a vida. A Rita injustiçada, lamentada.

Modo “Sempre assim, em cima em cima em cima”
Este são aqueles momentos em que me encontro a sorrir com toda a razão e sem razão alguma, aqueles em que me sinto agradecida por todos os encontros e desencontros da vida, aqueles em que sou criativa, espontânea e poderosa na forma de ser e na capacidade de transformar para ser ainda melhor, aqueles em que dou o melhor de mim, a coisa mais fácil do mundo porque só tenho de Ser. Eu apaixonada pela vida. A Rita grata, responsabilizada.

Desafios:
     1. assumir todas as dificuldades e frustrações do recomeço para que essa experiência seja integrada – e não clivada – na experiência maior de ter toda uma vida pela frente para reinventar, escolher e criar, oportunidade que nem todos têm ou se permitem ter.
     2. transformar a paixão pela vida em amor, aceitando que a frustração faz parte e que o ego tem sempre uma palavra a atrapalhar no meio disto tudo.

Nota: No meu caso, o modo em baixo tem uma duração curta e um bocadinho dramática – juízos de valor feitos a posteriori - mas acredito que o objectivo último do nosso corpo, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista emocional, seja sempre a homeostase, o equilíbrio. Overdrama emocional depois do overdrama físico, que nem sempre ou quase nunca são síncronos. Que saia o que tiver de sair. Que entre o que tiver de entrar.

II.                  Regresso à vida real e ao que era e ainda sou

A doença ajuda-nos a baixar a guarda. Quando estamos doentes, não temos energia e força para nos defendermos ou resistirmos. Na verdade, a doença é uma fantástica experiência de entrega. Entrega ao outro que é cuidador, entrega à fé e à sensibilidade, entrega ao próprio medo que até fica pequenino por não encontrar resistência, entrega ao amor que surge de todos os lados, mas sobretudo dentro de nós. Sem entrega não há cura.

Volta a saúde, voltam as defesas, os medos, as resistências, a vida como ela era, a Rita como ela é. Não será igual, mas será mais do mesmo, porque – voilác’est moi! Se eu pensava que de repente ia transformar-me num ser iluminado vacinada contra as dores e as patetices da vida? Nem do tio Patinhas me livrei! Se já estás a refilar muito, esquece a doença, porque: estás curado!

Desafios:
     1. Não me esquecer de tudo o que experienciei e continuar a aplicar as aprendizagens que fiz durante o processo da doença/crise, na minha vida, nas minhas relações, no meu trabalho, com as minhas pessoas e sobretudo comigo mesma.

Nota: Há alturas em que parece que não aprendemos nada! Nada que uma chapadinha da vida não resolva. Inha, universo, inha!

III.                Desamparo

Depois da doença, qual o sistema de suporte? Acabam-se os médicos, as visitas, os mimos, o circo. E que faz o palhaço quando o circo termina? E o artista quando a fama se esvai? A verdade é que há todo um processo de reinserção na vida real que é negligenciado pelo sistema de saúde, que se preocupa mais com a doença do que propriamente com a saúde. O regresso a uma rotina, à vida profissional, à vida pessoal, a todos os papéis que deixámos de assumir durante o tempo em que estivemos privados dessa possibilidade. E acrescento que o sistema de saúde que temos reflecte as pessoas que somos: preocupadas na doença, negligentes na saúde. Por que só temos tempo uns para os outros quando estamos a morrer? Por que somos tão sensacionalistas? Pois é, pessoas doentes/curadas, a doença é dura, mas a depressão pós-doença é uma realidade. E tratar e entender este desamparo é fundamental para prevenir recidivas. O cancro não volta repetidamente se o entendermos, se soubermos ouvir. E o corpo é tagarela e não se cala enquanto não o escutarmos.

Por que é que é difícil voltar à vida real? Bom, começando pelo corpo, levou uma tareia tal que não há nada que esteja nos sítios conhecidos e devidos; passando pela cabeça, levou uma lavagem tal que as ideias têm de ser todas reabilitadas e realojadas; terminando no coração: esse é o máximo, porque ainda bate depois de tudo isto! (Falta a alma, mas essa… não é pequena, já se sabe!)

Desafios:
1. Muita calma nessa hora.
2. Olhar para dentro e reconhecer que esse desamparo provavelmente já cá estava antes da doença e que está na hora de o abraçar se queremos dar o passo em frente e não voltar para trás. É tempo de confrontar e desenvolver estratégias e mecanismos internos para lidar com a realidade, recorrendo a mecanismos externos se necessário, mas sempre conscientes de que somos as estrelas do nosso campeonato, para o bem e para o mal.

       IV.     Crise de identidade

Com quem me identifico? Quem sou agora? Como estou? Onde estou? E para onde vou? São as mesmas pessoas? A mesma rede de amigos? O que mudou? Mudaram as pessoas, mudei eu? Não voltamos ao ponto de partida porque o tempo entretanto continuou e, como tal, também poderá ter mudado o ponto de chegada. Há conversas que já não nos fazem sentido ter, pessoas que já nem nos apetece ver, pessoas que já não nos querem ver, coisas que já não queremos aturar. Às vezes queremos isso tudo, outras vezes não queremos nada disso. Ninguém nos entende! Ninguém! E nós, sabemos explicar?

Desafios:
1. um dia de cada vez! Baby steps e confiança. Tudo vai ao lugar e, se o lugar não for o mesmo de antigamente, é bom sinal. Avançámos.
2. Como dizia uma amiga minha no meu último devaneio: “nós – os outros - não temos de entender, só temos de aceitar”. E nós – os eus – também não temos de entender tudo, mas aceitar que, agora, é assim.


Nota final: Há pessoas que experienciam a doença de uma forma menos limitadora, com sintomas físicos menos condicionantes e que podem manter intactas a capacidade de exercerem as actividades diárias e manterem os seus relacionamentos, mas acredito que a doença não se apresenta e não se vai embora sem deixar pelo menos as marcas de um tufão. Se a doença não se quer ir embora de maneira nenhuma, desculpem-me pessoas doentes, que venha o tufão! 

4 comentários:

  1. Adorei! Revejo-me em tudo! Como é possivel? Estamos cá para acreditar e aceitar! ♥♥♥

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  2. É um bocadinho possível porque as linfobabes são a minha primeira fonte de inspiração! ;)

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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