sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Elogio ao FEIO #2


Post inspirado na peça "Feio" da companhia Palco 13, em exibição até ao final do mês de Novembro, no Auditório F. Lopes Graça/Parque Palmela, em Cascais. 


O que diz a minha forma sobre o meu conteúdo? O que diz o espelho sobre quem eu sou? Há dias em que acho que o espelho diz o que parece que sou. Ou será apenas o que aparece que sou? Porque no espelho vejo um sorriso maroto, olhos que rasgam a alma e rugas desconfiadas, devolve-me o espelho a minha pessoa? É assim que sou... ou estou? E se o meu espelho hoje fores tu, o teu sorriso dúbio, os teus olhos indecifráveis e as tuas rugas em tensão?

Mais do que falar da importância do espelho que temos em casa, quero falar sobre como nos espelhamos uns nos/aos outros e como esse espelho que és tu - e não o da parede ou do retrovisor - tem tão mais importância do que qualquer outro. É esta que eu sou? É este o impacto que eu tenho em ti? É assim que o mundo me vê? É assim que tu - que és o meu mundo resumido neste segundo - me vês?

A mulher do Dieter olhava apenas de soslaio para o seu olho esquerdo. Ele não sabia que era feio, mas sabia que era alguém que suscitava esse tipo de reacção. "És muito feeeio!" traduziu ela, transformando o sonho em pesadelo. Pois, se ele não ficou a saber se era efectivamente feio - opiniões são discutíveis - passou a sentir-se feio, o que é bastante pior! Sentir-se feio é pior do que ser feio!!! E depender do espelho - de casa ou do lado - é abdicar da exclusividade na condução da própria vida. É o mesmo que dizer: "ok, dou-te as chaves da minha casa e faz com ela o que quiseres, desde que me deixes continuar a viver lá."

E assim o Dieter entregou a sua casa/cara mas continuou a viver lá. Casa remodelada, festas à grande, fachada imponente, imparável. Apenas deixou de ser a sua. Para onde teriam ido as suas coisas, os seus biblots, aqueles que tinham a sua cara, aquela que deixou de ser pessoal e intransmissível?

Impessoal é tudo o que nos impede de ser pessoa. Ninguém sobrevive a ser im-pessoa. E quanto mais a minha pessoa residir na tua ou em qualquer outra, mais perdida de mim mesma vou estar. Mas também é preciso que te digam que aquilo que vês em mim tem mais a ver contigo do que comigo. E se me vês a sorrir, é porque sou incapaz de te mentir.




O que diz a minha forma sobre o teu conteúdo?







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