quinta-feira, 23 de março de 2017

Saúde, Doença e Criatividade


Quis a vida que eu desenvolvesse teorias através de uma metodologia empírica, vivencial, experiencial, de observação mas, sobretudo, que o meu pensamento fosse sendo reformulado e transformado com as minhas vivências e as daqueles que me acompanham. As minhas ideias não vêm da clínica ou da investigação formal, mas vão beber a muitos pensadores e sentidores que já cá andaram e ainda andam. Depois há as descobertas que vou fazendo com base na experiência. E observar tanto posso fazê-lo no plano pessoal como no plano profissional.

Durante algum tempo, achei que a saúde e a doença estavam em pólos opostos, que à saúde correspondia uma energia criativa e que, à doença, uma energia não criativa, de repetição. Queria com isto dizer que adoecer tem muito de manter padrões antigos, de energia estagnada, de bloqueios e resistências à mudança. Penso que este tipo de pensamento dicotómico - esta coisa alternada, mutuamente exclusiva - está cada vez mais ultrapassado. A dualidade vem com a vida - precisamos de a experienciar para conhecer o bom e o mau, o quente e o frio, o dia e a noite, o sim e o não, o longe e o perto, a separação e a união, o certo e o errado, o normal e o anormal, o masculino e o feminino, a alegria e a tristeza - mas serve o propósito de conhecimento e tomada de consciência. E de diversão porque, se fôssemos todos indiferenciados, seríamos amebas estupidificadas. Seria tudo muito mais chato. 

Hoje entendo a doença como um grande grito criativo, uma solução que o corpo encontra para se orientar, para se reencontrar, para compensar desequilíbrios homeostáticos, para continuarmos a viver apesar da ideia de que um dia vamos morrer. Temos muito medo da doença porque estabelecemos que era a inimiga da saúde. No dia em que olharmos para os sintomas como aliados e não como inimigos, acredito que tudo vai mudar. Claro que ninguém gosta de estar doente, mas vivemos num tempo em que não se aguenta uma febre ou uma dor de cabeça! 

Acredito que a forma de olharmos para a realidade caminha para uma abordagem mais circular, mais copulativa (e) e menos disjuntiva (ou). A minha ideia inicial estava errada? Não, continuo a considerar que batemos muito na mesma tecla e que isso não é muito criativo porque nos impede de crescer. Por outro lado, também acredito que doença é criatividade, porque o nosso corpo é capaz de criar os quadros mais geniais para fazer frente aos desafios que enfrenta. É difícil assumir isso porque exige honestidade.

Talvez a categorização e a problematização da maior parte dos sintomas, do desconforto, da dor e do mal-estar nos afaste deste entendimento. Não há espaço para sentir. Não sou a favor da indiferenciação, mas de uma capacidade de pensar mais abrangente. Não defendo a eliminação da polaridade porque nela se começa e se encerra a vida. A dor enraíza, o amor eleva-nos, mas há camadas. No meio, existem variadíssimas hipóteses, tantas quantos os sujeitos que habitam os corpos que gritam. Mas é preciso ouvir.



Sem comentários:

Enviar um comentário

INSTAGRAM