domingo, 5 de março de 2017

A doença - o lado não criativo da vida


No último ano e meio, ando aqui num triângulo do qual eu pouco faço parte. É um triângulo cujos vértices são o IPO, o Centro de Saúde de Cascais e o Hospital de Cascais. Não me parece que haja comunicação entre os intervenientes, mas é natural: são sempre assim as relações disfuncionais. Eu no meio. 

Desde que desisti dos tratamentos, continuei a ser acompanhada no IPO como qualquer outro doente que finalizou o protocolo. Recordo que tive um diagnóstico de um cancro no último estadio. Quantos exames de imagem fiz desde a remissão de Maio de 2013? 0! O que eu faço quando vou à consulta? Um hemograma normal e Urina. 

Na última consulta, em Novembro de 2016, depois de 4 meses sem dormir, com dores de cabeça que eu associei à medicação que me deram no centro de saúde e com enjôos que me levaram a perder 6kgs (a parte boa!), a Dr. F. pediu uma ressonância magnética. Continuo à espera. Já perdi a conta da quantidade de vezes que pus os pés nestes 3 estabelecimentos no último ano. Para o médico de família, tudo se resume a ansiedade. No IPO, não valorizam porque não estão a contar que o cancro volte. No Hospital de Cascais, onde o cancro foi diagnosticado, tenho de dizer que tive um linfoma, perguntam se estou a ser acompanhada no IPO e pronto. Vou só recuar até Agosto de 2015. 

Agosto 2015 - Infeção ginecológica + Infeção urinária

Outubro 2015 - Infeção urinária

Dezembro 2015 - Infeção urinária

Janeiro 2016 - Agravam-se as insónias. Depois de 5 meses de dores e desconforto, mantêm-se os sintomas urinários sem infeção urinária ou resultados positivos na urocultura. Telefono à médica do IPO, que diz que já não é com ela - para ir ao centro de saúde para ser encaminhada para a Urologia. O médico de família não entende que seja caso para isso. Faço ecografia e a bexiga está normal. Consulto o meu biopsicoterapeuta Alain Jezequel, faço alguns suplementos por conta própria e os sintomas melhoram. 

Julho 2016 - Deixo de dormir completamente, a qualquer hora do dia. Deixo de conseguir adormecer. Começo pelos suplementos naturais que deixam de fazer efeito.

Agosto 2016 - Pneumonia, enjôos e insónias. Sou acompanhada no Centro de Saúde, com tratamento para a pneumonia e diagnóstico de ansiedade. Experimentem não dormir e estar fisicamente esgotados com infeções e dores e depois digam-me se é ansiedade... Começa a saga do Zolpidem para dormir. De férias, dormi 2h por noite durante o mês de Agosto, sempre com enjôos durante o dia. As dores de cabeça são diárias. 

Setembro 2016 - Começo o Triticum, um anti-depressivo para tratar a insónia. Não me faz dormir e pioro da cabeça. Mantenho o Zolpidem e, até Outubro, andei neste filme, a pensar que endoidecia. Reduzo drasticamente as horas de trabalho e a capacidade de funcionar. Já teria perdido uns 4 kgs porque os enjôos não me permitiam comer. Começo a ir às consultas de Psico-Oncologia.

Outubro 2016 - Vou à urgência do IPO. A Dra. S. diz que o linfoma que tive, por ser tão agressivo, costuma voltar nos dois primeiros anos e, como tal, já não contam que volte. Certo. Encaminhou-me para a Psiquiatria para ajustar a medicação das insónias e pediu ressonância magnética crâneo-encefálica. Como saí de lá? Exatamente na mesma como entrei, com dores de cabeça e enjoada. Vou ao Centro de Saúde e substituo o Triticum por uma benzodiazepina (ansiolítico). Assim que retiro a medicação (Zolpidem e Triticum), melhoram as dores de cabeça. 

Novembro 2016 - Vou à consulta de rotina do IPO. A Dra. F. diz que não tinha nada pedido no sistema. E eu em casa à espera. Pede, então, consulta de Psiquiatria e ressonância. Agora é que é! Estive sem dançar desde Julho. Regresso à dança assim que começo a dormir com mais regularidade. 

Janeiro 2017 - Finalmente a consulta de Psiquiatria. Nesta fase, depois de um ano inteiro de sofrimento, já estou a dormir todas as noites, mas a psiquiatra substituiu o Kainever - que estava a fazer enquanto aguardava consulta - por uma benzodiazepina mais leve, o Rivotril. O estômago ainda está sensível mas já não tenho enjôos permanentes. No dia 16, começam os sintomas urinários.

Jan/Fev/2017 - Depois de 3 idas às urgências do Hospital de Cascais - que não vou descrever porque dizer que fui lá 3 vezes já diz muito -, depois de dois antibióticos para a infeção urinária, fico boa da sinusite de um mês e do estômago, mas os sintomas urinários/pélvicos continuam. Vou à urgência ginecológica e confirmo que um dos miomas que tenho está encostado à bexiga. 

Março/2017 - Entendo finalmente esta saga dos sintomas urinários que já vem desde 2015. Tenho 3 miomas e o maior tem 3.6 cm. Na urgência ginecológica, encaminharam-me para a consulta externa de ginecologia, a qual tenho de aguardar. Assim como fiquei a aguardar até hoje a ressonância de Outubro. Fui a uma consulta de MTC (medicina tradicional chinesa). Volto a parar de dançar, mantendo apenas aquilo a que chamo de "serviços mínimos". O trabalho, ainda assim, é promotor de saúde mental. Ainda se segrega muito a saúde, o corpo, a pessoa. 

Não vou ao ginecologista desde 2012, porque fui fazendo as consultas no planeamento familiar no Centro de Saúde; no IPO não valorizaram as menstruações sempre irregulares e mais frequentes. Sei dos 3 miomas desde que terminei a quimioterapia, porque marquei consulta de planeamento familiar depois dos tratamentos. Tenho feito ecografias ginecológicas quase anuais. Nunca o médico de família associou os sintomas urinários aos miomas. Tive, algures nestes 4 anos, quistos hemorrágicos no ovário direito, que desapareceram. Nunca fui encaminhada para a ginecologia, nem no IPO nem no centro de saúde. Fui eu que disse à médica da urgência geral que tinha os miomas e questionei se não podiam ser a causa dos sintomas urinários. Porquê? Porque pesquisei no google. 

Esta é a parte chata que não costumo publicar. Tudo o resto é sempre verdade: a criatividade, a dança, a esperança, o amor, o desamor, o medo, a vida, o humor, o sorriso, a loucura.. É o que me segura nos intervalos. 

Nestes últimos 5 anos, cruzei-me com médicos que deviam ter escolhido outra profissão, bem como com médicos que escolheram a profissão certa e pelos quais me sinto grata. Mas há algumas realidades: 

a) a responsabilidade dilui-se, a visão é repartida e tripartida. Só quem vive no próprio corpo tem a visão completa. 

b) o SNS está a rebentar pelas costuras! 

c) existem muitos preconceitos no que diz respeito à saúde feminina! Já ouvi com cada coisa! Para a m**** se andar sempre com infeções urinárias é normal por ser mulher! 

d) existem muitos preconceitos no que diz respeito à psicossomática e à saúde em geral. Os sintomas não são "ansiedade" nem fruto do nosso stress. Ainda que o stress gere sintomas fisiológicos e vice-versa, estes são reais: existem! 

Para ser justa com aquilo em que acredito, teria de fazer uma cronologia dos acontecimentos da minha vida e das emoções que acompanharam os eventos e os sintomas, mas hoje o post é dedicado ao corpo, à fisiologia, não porque segregue mas porque é uma parte que não gosto de expor. Ainda assim, faz parte do caminho da cura. No dia em que escrever um livro, vou ter de fazer o paralelo emocional, mental e espiritual deste caminho, para não haver batota! 

E vou parar de escrever porque tenho de ir à casa-de-banho. Para variar. :)


Lado A e Lado B






Sem comentários:

Enviar um comentário

INSTAGRAM