quarta-feira, 29 de junho de 2016



Se o dia fosse noite, não teria medo do escuro.
Se a noite fosse dia, não teria medo da luz.
Se um monstro te faz tremer, faz-te mexer
Se um fantasma te faz temer, faz-te viver
Se a vida fosse morte, não haveria desconhecido.
Se a morte fosse vida, seria tudo igual. Banal.
Tudo seria pouco, nada seria muito. 
Tudo seria aquém do que poderia ser.
E ninguém veio aqui para metade viver. 
No auge da loucura, o medo perdura 
Para se perder de amores pela vida dura.
Amor é fogo que arde. O que arde cura.




segunda-feira, 20 de junho de 2016


Ouvi algures que a vida nos era emprestada. A certa altura, teremos de a devolver. E é assim com tudo o que vamos tendo ao longo da vida. Vamos tendo. Na verdade, ter seja o que for é uma ilusão à qual nos agarramos por medo, medo que nos falte amor, dinheiro, sucesso, tecto, comida, saúde, objectos com que nos identificamos e que se tornam partes nossas que definem o nosso território. Até criámos determinantes e pronomes possessivos para assegurar que o chão não nos foge. Passamos a amar o que temos, como se o amor não existisse no não ter.

Criar uma vida de fé, confiar que teremos exactamente na medida que precisamos em determinada altura, não é propriamente fácil. A vida é impermanência e nunca sabemos o tempo que nos está destinado para cada conquista que fazemos. Até quando as crises e as perdas aparecem para nos obrigar a mudar, a deixar ir e a passar à fase seguinte da nossa evolução, queremos resgatar, recuperar, mudar a realidade, voltar a ter o que acreditamos que faz parte de nós, ou pior, que somos

Ter leva-nos a reter... para que nunca nos falte; para garantir que nada nos faltará, ignorando os sinais de que tudo o que nos acontece, tudo o que vamos tendo, é passageiro. Nas fases más, de maior dor, a impermanência é esperança - vai passar! Nas fases boas, a impermanência é saudade, é desejo, é querer muito, tanto que dói. Porque a vida dói. Para nos lembrarmos de a sentir. 

Só é dor se for vontade de agarrar. Só é fogo se queimar. Só é felicidade enquanto durar. Só é fogo se queimar... (Amor Electro)

P.S. Às vezes viver é mesmo brincar com o fogo. Mas quem não vai lá pôr a mão?



sexta-feira, 17 de junho de 2016


Cada vez estou mais certa de que a cura passa também pelo reencontro com a Natureza. Foi com estas fotografias que começou este blog: primeiro post. Dizia eu por esta altura, dois meses depois de ter deixado o tratamento convencional para me dedicar à escrita:

No meu caminho, o medo entra, conversa comigo e é convidado a sair. Nunca se senta porque tem muita gente para visitar também. Esta foi a minha escolha. Não tenho nada contra o Sr. Medo, mas é que, se o deixo instalar-se, não consigo ouvir aquela voz que vem daquele sítio honesto e me conduz, porque ele faz muito barulho. Essa foi a escolha que fiz e é essa que me faz feliz. Todas as decisões que tomo e as ações que realizo vêm quando o Sr. Medo anda por outras paragens. Esse foi um compromisso que assumi. Se ele teima em sentar-se na minha sala? Amor. Lembram-se? A resposta universal! Sempre certa.

Quase três anos depois, o fotógrafo Zito Colaço desafia-me para fotografar na Mata dos Medos, numa altura em que o Medo está mais do que instalado na minha sala para garantir que faço alguma coisa por mim, não vá esquecer-me, no meio da lufa-lufa. O convite para colaborar com o seu projeto I love Trees Portugal (na altura, Love Trees Project) remonta a 2013 mas só agora se materializou. Talvez para me relembrar. 









O encontro com a Natureza relembra-me de que não existimos enquanto entidades separadas do planeta e do universo, apesar de vivermos com essa presunção. O encontro com as árvores recorda-me a perfeição da matéria de que somos feitos, da lei da vida e da morte, das capacidades de ser raíz, de ser projeto, de ser forte, de ser flexível, de contemplar, de existir sem julgar, de proteger, de inspirar! O encontro com a floresta lembra-me do medo do escuro, do medo da luz e da ironia do medo do vazio e da resiliência perante as tempestades. 






O encontro com a Natureza também é o reencontro com a natureza humana, colectiva e individual. É o regresso à nossa natureza selvagem, à nossa natureza original, à nossa verdadeira natureza. Não é por acaso que utilizamos a palavra natureza para o planeta e para a nossa forma de ser, que às vezes deixamos que se perca em prol da sociedade. 






Sensibilizar para a conservação da Natureza não é ser solidário com uma causa nobre, filantropo ou caridoso. É reconhecer que fazemos parte dela e que ela faz parte de nós, que somos responsáveis pelo mundo em que vivemos, que somos uma ínfima parte mas também uma parte gigante se nos unirmos. De uma vez por todas. 






Obrigada I Love Trees Portugal, na pessoa do Zito Colaço. Grata por poder validar a tua missão com o meu contributo e grata por validares a minha missão com a história do teu projeto. Por ser também a tua história pessoal, é CurAção de uma ponta a outra. Cada vez que mobilizas uma pessoa que seja para partilhar esta tua paixão, ela cresce e chega mais longe. É contagiante. Cada vez que uma porta se fecha, ela fecha depois de te ouvirem. A semente fica lá. O resto é com a Natureza... 






Procuram-se modelos para fotografar para este projeto (facebook)! E quando olharem para as vossas fotografias, vão descobrir tantas coisas vossas, tal como eu quando olho para as minhas e percebo tanta coisa do momento que estou a viver. 

Vamos valorizar as árvores portuguesas e reencontrar-nos com a nossa própria natureza através da fotografia. Amor é criatividade. Saúde é criatividade. Saúde é Amor. Amor é tudo isto. 









Às vezes o Medo só precisa de inspiração para ser Amor. 









Sou dona do tempo, dona da floresta
Dona de tudo e dona de nada
Cabe-me cuidar sem ter, ser sem pertencer
Sei de guardar e proteger o que é meu sem meu ser.
Sei de agradecer
o sol que aquece
a árvore que resiste
o mar que alimenta
a natureza que a tudo assiste.
Existe amar sem despertar?


(Fotografia: Zito Colaço, I Love Trees Portugal
Local: Mata dos Medos, Fonte da Telha, Caparica)



segunda-feira, 30 de maio de 2016


O dia chega ao fim das 24 horas e entro pelas horas do dia seguinte com as tarefas do dia anterior. Isto perpetuado por vários dias resulta numa incapacitante rotina de frustração e ansiedade porque acabo por andar atrás do prejuízo. E então penso, das duas umas: ou me programei para um dia de 36 horas ou me assumi como uma pessoa com mais capacidades. Acredito que um dos erros será não contar com as horas de refeições, as horas de descanso e as horas de lazer como parte dos deveres e afazeres porque, se as contabilizar devidamente, ou tendo em conta a devida necessidade de que sejam contempladas, não haverá margem para expectativas desajustadas à realidade. 

Irrita-me profundamente ir a uma consulta médica e ter de esperar 2 horas para ser atendida porque algo me parece muito errado nisto. Numa urgência sabemos que a imprevisibilidade da situação nos obriga a aguardar. Mas uma hora agendada não deveria constar de uma programação com margens de erro bastante inferiores a 2 horas? E, se se repete sempre, por que se continuam a marcar consultas de 20 em 20 minutos que nunca acontecerão nas horas previstas? Se há anos e anos que é assim, por que se mantém assim?

Ora, é essa a pergunta que me faço a mim mesma! Os compromissos que assumo com os outros devem ser cumpridos e são, porque, na verdade, o tempo para as minhas coisas não vem na agenda. Por isso este tempo encaixa-se nas sobras que muitas vezes não sobram. E é assim que, por exemplo, este blog vai ficando para trás, bem como outros projetos pessoais/profissionais. Como um paciente à espera de consulta. Até ao dia em que me pergunto: mas, se já sei que é assim, quero manter-me assim?

Casa de Santa Maria - Cascais (Foto: J. Moura)

Uma das coisas positivas das consequências negativas dos tratamentos é que as minhas capacidades não estão iguais: preciso de descansar mais, não consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo e a ansiedade passou a habitar os meus dias e, principalmente, as minhas noites como uma espécie de sentinela. É que não me deixa descansada de tão bem que cumpre esse papel!

Ora, se antigamente podia saltar por cima das minhas necessidades de descanso, lazer e alimentação, hoje em dia o que acontece é que, se não durmo, chego às 14h e já não estou capaz de produzir nada. Se como a mais ou a menos, também não perco peso. O corpo faz-me parar e, efectivamente, não dá para contornar nem esticar a corda. Acabo por chegar ao final do dia a entrar pelas horas do dia seguinte com as coisas pendentes. Uns chamar-lhe-ão velhice. Eu chamar-lhe-ia inteligência. É o próprio corpo a desenhar os limites que não vêm na agenda.

Isto é uma situação nova na minha vida? Não é, já antes do cancro era assim, mas agora é gritante, até porque as rédeas estão mais curtas (relativamente à minha capacidade de resposta) e a consciência também é outra. Sei perfeitamente como não quero estar. 

Não acredito muito em sintomas desadaptados e acredito que a ansiedade que nos prepara para a resposta de fuga vem alertar-nos para os perigos que nos rodeiam. Se, neste aceleramento, conseguimos sempre distinguir os estímulos perigosos dos inofensivos e até dos que nos vêm ajudar? Talvez não haja clareza suficiente para isso mas eu, ainda assim, acredito que, se o coração dispara, ele sabe o que está a fazer e é importante sentir o que nos quer comunicar. Se a resposta não vem logo, pelo menos podemos perguntar...

É o tempo, o tempo que urge. São as expectativas, as expectativas dos outros e as nossas. É o dizer que sim e o não dizer que não. É o dizer que fica para depois, sem falta. É a falta de tolerância e de amor em causa própria. Não adianta mudar o "tenho de" para "vou fazer", se as coisas que for fazer não couberem no tempo. Há que essencialmente fazer escolhas e deixar cair expectativas. Deixar que fiquem tristes, deixar que se desiludam, deixar ir. 

E as coisas cabem sempre no tempo. Mas, já que cortámos o tempo às postas, vamos fazer menos em mais tempo em vez de mais coisas em menos tempo. Não faz sentido nenhum querer fazer mais em menos tempo. Imaginem a vida a correr... A vida corre, corre e acaba mais depressa de tanto correr! Agora imaginem a vida em passo de caracol. A vida arrasta-se lentamente e o tempo sobra até para viver! Mais e melhor. 

Acredito que precisamos de dinâmicas diferentes, tempos diferentes, uns mais rápidos, uns mais lentos, até porque, por alguma razão o nosso sistema nervoso autónomo tem duas frentes, a simpática e a parassimpática, mas é preciso equilibrar e andar sempre atrás do tempo não é equilibrado. 

Quantos pacientes-projetos/sonhos temos na sala de espera a aguardarem que os consultemos? Vamos atendê-los sempre com horas de atraso? Que escolhas temos de fazer para sincronizar o que somos com o que temos em determinado momento? 

Vou dormir e amanhã continuo... ou não...

domingo, 22 de maio de 2016


Hoje em dia somos incutidos a vibrar na melhor versão de nós próprios, a sermos essa versão, procurando ser cada dia melhores. Eu também reclamo essa busca. Mas, como em muitas outras coisas, é como diz o Miguel Sousa Tavares, no título do seu livro: "Não se encontra o que se procura." E tantas vezes o que se procura é exactamente o que nos escapa pelas mãos, incessantemente, de tanta força e pouco jeito. De tanto esforço e nenhuma naturalidade. 

Nada contra ser melhor ou melhorar - muito pelo contrário - mas eu diria que procurar ser melhor também pode significar, tantas vezes, deixar de Ser. Esta semana discutiu-se muito as trombas da Inês Castel-Branco nos Globos de Ouro. Não vou comentar o momento em si porque não vi ou não reparei, mas posso dizer, à partida, que foi o meu vestido preferido daquela gala. O que tem isso a ver? Para o que quero dizer, nada. Mas, independentemente da situação, eu acho que aguentamos muito pouco as trombas uns dos outros - era aí que eu queria chegar! E eu sou uma das que se passa com trombas nas pessoas que trabalham no atendimento ao público, por exemplo, mas também porque faço um esforço - lá está o esforço - para os outros não levarem com as minhas próprias trombas, que guardo para as pessoas especiais. 

Claro que um sorriso não paga imposto e pode abrir portas, de dentro para fora e de fora para dentro. Mas quem é que faz ideia do que se passa na vida e no coração de uma pessoa que não está a sorrir ou que não está no seu melhor? Como saber que a pessoa não está no seu melhor, naquele momento? Por que pode uma cara (mais) feia ferir tantas susceptibilidades? 

E se aquela pessoa não esteve no seu melhor? E se aquela pessoa teve apenas um momento verdadeiro? E se aquela pessoa estiver mesmo no seu melhor, naquele momento? E se o nosso melhor nunca assumir termos absolutos, mas sim relativos - ao contexto, ao momento, a mil e um factores que não são tangíveis para os outros? 

Não acho que tenhamos de entender as trombas de meio mundo nem que tenhamos de levar com elas, mas pergunto: Como seria este mundo se caíssem as máscaras?




domingo, 8 de maio de 2016


Dois meses sem escrever... Várias vezes me surge um ímpeto para o fazer, com temas que urgem de situações com que me confronto diariamente, mas não passa do impulso. Se calhar, por não saber em que ponta pegar. São várias as causas que me movem mas cada vez me apercebo mais da importância da relação terapêutica na saúde e essa é um dos temas que me toca mais, nesta história da humanização dos serviços, da humanização dos doentes e da humanização dos médicos e dos técnicos de saúde. Parece uma questão óbvia. Mas não é. Mais recentemente, vou aprendendo sobre isto com o meu pai, que resolveu que isto do cancro ainda tinha cartuchos para queimar... Pois é, o meu pai tem um linfoma não-hodgkin, de nome: Macroglobulinemia de Waldenström. Parece mentira, mas é verdade

A doença do meu pai remonta aos tempos em que fui internada (2012) - não é uma coisa nova - mas o diagnóstico concreto tem apenas um ano e os tratamentos só foram iniciados no passado dia 1 de Abril, o dia da mentira que não era mentira! Anticorpos no hospital de dia e quimioterapia oral. Eu resolvi que era boa ideia lesionar-me na véspera, num ensaio de dança, e fiz um entorse do tornozelo com rotura de ligamentos. Resultado: lá fomos os dois, ele para o tratamento e eu, coxa, para o acompanhar. Valha-me o Tramadol em SOS (mas não façam isto em casa!)! (Mania do protagonismo!) 

Não acho que seja azar ter-nos calhado dois cancros em três pessoinhas (família nuclear) porque considero sempre que há ligações escondidas nas coincidências que nos acontecem. Quando se diz "Logo havia de acontecer...", eu digo "Só podia acontecer..." Não deixa de ser um azar dos diabos, mas o azar é um conjunto de circunstâncias, mais conscientes ou menos, que se reúnem para um resultado... Tal como a sorte.

Continua a ser um bocadinho macabro este filme mas certo é que estamos cá para fazer o caminho, seja qual for a história de dor, o resgate de amor e a aprendizagem que encerre. Mas, principalmente, a oportunidade que se abra. 

Portanto, o cancro continua a estar na ordem do dia e deste blog, com os devidos timings para integrar tudo isto, no meio da vida que continua...


Dançaterapia - CRID

sexta-feira, 18 de março de 2016




Há dias em que me esqueço de que sou poesia, deixo que a mente me conduza e me equilibre as medidas. Uma seca. Não há óleo que deixe que pensamentos, palavras e comportamentos se escorreguem sem julgar, sem ter de acertar. Não há água que hidrate os olhos e a pele. Não há som a rimar com alegria. Sou poesia. Improviso. Imprevisível. Deixo que as palavras te toquem e não voltem. Dei-tas. Deixei-tas. Deixo que o amor me toque e não volte. Atrás. Voraz. 
Não sei do princípio. Não me contem o fim. Plim. 

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