sexta-feira, 27 de novembro de 2015



O amor anda pela hora da morte, entregue a esta e outra sorte. Já não se acredita porque um dia tudo o vento levou. As flores perderam o encanto, a vida perdeu o espanto. Tudo está à distância de um clic, não é preciso caminhar para chegar à meta. Não é preciso correr para chegar à hora certa. Não se olha para trás para ver quem partiu. Não se pára para chorar o que se sentiu. Ainda se sente? Elas já não tremem, as pernas. Eles já não estremecem, os estômagos. Eles já não desvanecem, os corações. Mas podes chorar baixinho, em silêncio. Podes viver pianinho, com pressa. Mas sem promessa. Não é preciso conquista, nem rasto nem pista. Não é preciso sedução, nem perder a razão. Está tudo à mão. Parece tudo em vão. Já não há câmaras lentas, línguas sedentas. O imediato matou o sonho, confunde-se ação com tesão. Apaixonamo-nos pela vida para não nos apaixonarmos por alguém. E dentro da vida moram todos e já não mora ninguém. É tudo importante e nada é especial. É tudo igual. Igual. Tantos projetos, mas morreram os afetos. Tantos abraços mas fugiram os amassos. Tapa o corpo, resgata o mistério. Destapa a alma e leva-te a sério. 

Elas são independentes ou deles-dependentes, eles chamam-lhes putas entre os dentes. Eles são dependentes ou delas-independentes e elas chamam-lhes cabrões, foliões. Eles já não mandam, elas comandam. Eles são umas meninas se se mostram carentes e elas fraquinhas se não lhes fazem frente. Gajos e gajas, porque homens e mulheres já não são gente.

Não sei se dar a mão é segurar o caminho. Tragam de volta o carinho. 




sexta-feira, 20 de novembro de 2015



É muito mais simples explicar aos mais pequenos que o mundo está dividido em bons e maus. Para o seu cérebro é uma informação fácil de arrumar e o mais importante é que as figuras parentais estejam do lado dos bons e que lhes garantam proteção contra os maus. E é isso que são os pais, heróis de trazer por casa. Crescemos e vamos percebendo que as coisas são bastante mais complexas, as pessoas boas também fazem coisas más e as pessoas más - ou que fizeram coisas feias - podem ter sido as pessoas mais simpáticas para o vizinho do lado. No mundo dos adultos, portanto, o mundo já não se divide em bons e maus ou já não era esperado que assim fosse. É aqui que os heróis de trazer por casa às vezes se transformam nos maus da fita, ou, tão simplesmente, humanos, dependendo do nível de pensamento de que estamos a falar, mais infantil ou mais diferenciado.

Preocupa-me que o mundo fique cada vez mais dividido entre bons e maus, porque, ao categorizar desta forma, inevitavelmente, vamos cair num lado ou no outro, vamos posicionar-nos dentro de uma equipa ou outra, contra o adversário a agredir ou a combater. Os maus querem destruir os bons e os bons querem destruir os maus.

E estar de um lado ou do outro tem as suas consequências. Uma pessoa que se percepciona a ela própria como má, seja pelas suas ações, pelas suas características ou pela forma como os outros a tratam, fica privada de conhecer e contactar com as suas coisas boas, o que a pode deixar num caminho cuja saída é destrutiva, para si própria ou para o outro. Uma pessoa que se assume só como boa corre o risco de pôr tudo o que é mau no exterior, nos outros, e não assumir as suas coisas que por vezes também têm consequências negativas, para si e para os outros.

As crianças aprendem a chamar maus aos que fazem coisas más e bons aos que fazem coisas boas, mas, na verdade, parece-me bem ajudá-las a perceberem em si as suas coisas boas, para além de ações que tenham tido e que tenham tido consequências negativas, bem como ajudá-las a tomarem consciência das consequências negativas de algumas ações, porque lhes ensina que o que são e o que fazem tem impacto no mundo que as rodeia. Quem aprende isto, aprende na sua relação consigo mesmo, com o outro e com o ambiente. Quanto mais polarizada for a nossa ideia das pessoas e do mundo, maior a probabilidade de o mundo se dividir em partes e, no futuro, em pedacinhos difíceis de reconstituir. Para algumas pessoas, o mundo já está tão dividido dentro de si que já não há retorno.

Prefiro pôr as coisas aqui em bem e mal, não no sentido da moral mas no sentido, não só da intenção, como de uma ação que comporta uma contribuição. De que forma queremos contribuir? Para o nosso bem-estar, para a saúde do nosso relacionamento, para a felicidade dos nossos, para a paz no mundo? De que forma conciliamos a pegada positiva que queremos deixar - caso queiramos - com as necessidades primárias do nosso ego, de poder, controlo e competição pela sobrevivência, esteja esta traduzida em dinheiro, comida, recursos, terra, beleza, mulheres, homens, força ou razão?

Na altura em que os concursos de beleza estavam na moda, no formato Miss Universo, Mundo ou de cada país, as meninas bonitas foram desvalorizadas na sua vontade de acabar com a fome no mundo, as guerras e as desigualdades. Na verdade, o bem tem um lado estético que faz a diferença no mundo. Os monstros são feios, o medo, se tivesse cara, seria horrenda - ou talvez se risse macabramente disto tudo - e a destruição fere os olhos. Elas, as misses, com a sua beleza, contribuíam para um mundo mais bonito e queriam contribuir com uma coisa tão fútil como a paz, numa época em que ser bonito não era compatível com inteligência. Se és burra, pelo menos, diz que vais acabar com a fome no mundo! E eis que o mundo se encontra na unidade de cuidados intensivos, a precisar de resgatar e juntar uma brigada de misses de todos os países! Eu própria me sinto um bocadinho Miss em campanha pela paz no mundo!

O ser humano é capaz de matar, odiar, agredir, destruir e morrer. É verdade. Temos um lado sarcástico, invejoso, mordaz e macabro. No dia em que acabar a guerra no mundo, teremos conquistado a imortalidade. Enquanto formos capazes de morrer, seremos capazes de matar. Mas, enquanto formos capazes de viver, seremos capazes de amar.

As crianças contactam com todos estes lados do ser humano nas histórias de super-heróis e vilões, partes de si próprias e dos seus, personificadas e investidas de efeitos especiais e peripécias. É assumindo todos estes lados que vamos estar mais protegidos de deixar que o mal domine sobre o bem. Enquanto o mal for partir um brinquedo do amiguinho, estamos nós bem - e o amiguinho mal. Enquanto o mal for falado, representado, discutido e brincado, em jogos e contextos seguros, estamos nós bem. Enquanto o mal for ignorado e posto fora de nós, vamos continuar a combater e numa guerra sem fim. 

Uma guerra é sempre mundial. Dêem armas de brincar aos mais pequenos, deixem-nos brincar às lutas, ensinem-lhes as guerras de "faz-de-conta" para que continuem a matar de forma simbólica/metafórica quando crescerem e não precisarem de armas verdadeiras para matar os seus fantasmas em forma de pessoas.

Perante uma pessoa má, uma pessoa que tenha perdido qualquer capacidade empática e apetência para o amor ou cuja forma de estar não seja compatível com a existência de seres e de formas de pensamento diferentes no mundo, não tenho a ilusão de que não lhe devesse dar um tiro nos cornos para garantir a minha sobrevivência e a dos meus. Se me pisarem os calos, emerge a cabra que mora dentro de mim. Se me magoarem, rogo pragas e manifesta-se a minha bruxinha má. Se me derem um estalo, levam outro. No meu mundinho. Em pequenino. No imediato.

Acontece que, cada vez mais, penso em grande e tenho uma visão mais ampla. Estamos todos no mesmo barco. E, se afundar, não vem o Noé salvar as crianças - as que não dêem pontapés nos amiguinhos e não se portem mal nas aulas, os pequenos "terroristas"(!) - e os animais, os domésticos, porque os selvagens matam pessoas! Ou talvez seja disso que o mundo está a precisar... De uma arca que salve os bons. Não sei é onde é que vão viver...




Lutei sete meses contra um cancro. Desisti da guerra porque percebi que estava a utilizar armas de destruição massiva dentro de mim e, na medida em que o inimigo estaria dentro do meu corpo, se o continuasse a atacar, eu poderia não sobreviver. Atacar o mal era também atacar-me a mim. É o problema das guerras: é preciso sobreviver a elas. No limite, voltaria a fazê-lo, se o medo tomasse conta de mim, mas não numa primeira instância. Sei que há coisas más em mim, toxinas, mágoas, medos e afins, mas as coisas boas são maiores. E rezo para que, no mundo, as coisas boas sejam sempre maiores.

Olho para Paris e tenho orgulho nos parisienses que me fazem acreditar nos seus valores porque se juntam em nome dos mesmos. A França inspirou "A Portuguesa" e eu rezo para que, contra os canhões, marchemos todos pela liberdade, a igualdade e a fraternidade. Não me orgulho do massacre na Síria que nada tem de fraterno, mas espero que o mundo se encaminhe no sentido da criatividade e da racionalidade, juntas, na solução de conflitos. E que as flores, as velas, os abraços, a solidariedade, o sentir conjunto sejam mais massivos do que as armas. É a realidade. Dualidade. Emergências. Esperança.



Há coisas que não se contam a ninguém. Ninguém. Vai daí ficam cá dentro. 

Há coisas que circulam nas nossas veias e palpitam. Vergonha. 

Há coisas que não queremos partilhar para não ouvir. 

Como se mais ninguém andasse escondido. 

Há coisas que todos são e todos criticam. 

Das coisas que sofrem, as que morrem jazem em mim, porque o tempo não apaga o que o tempo um dia trouxe e, se assim fosse, já não havia tempo. 

É justo falar e deixar rebentar porque, do outro lado da rua, existe a alma que um dia foi tua e que deixaste vaguear. 

Re-volta-me, dia, que a noite é para sonhar!




sábado, 14 de novembro de 2015



No Dia Mundial da Bondade, mais um ataque terrorista, mais medo espalhado pelo mundo. Diz o autor Gregg Braden que vivemos numa era de extremos e é exactamente o que sinto quando, com gratidão, assisto a movimentos de amor e solidariedade pelo mundo fora e, com perplexidade, me deparo com os cenários de horror como o de hoje, que nos chegam através dos media. Parecem dois mundos paralelos, um que semeia a esperança e o outro que desacredita a humanidade. Curioso é que não são paralelos, porque as ondas de amor e solidariedade multiplicam-se quando somos tocados pelas grandes catástrofes. E o mundo é só um. Parece então que o medo e o amor têm de andar de mãos dadas para o medo não engolir o que fica dos grandes abalos. Acontece comigo. Assim sendo, o meu apelo para o amor, a criatividade e a superação constitui uma necessidade que surge para me capacitar para os grandes desafios. Não falo de bondade por ser boazinha, mas para fazer frente às ameaças. Não falo de amor por filantropia, mas para fazer frente ao medo. É porque acredito que é na força criativa e criadora que está a resposta para as grandes tragédias que nos assaltam e pedem trancas à porta. É mesmo o maior dos desafios voltar a abrir a porta. É mesmo o maior dos desafios voltar a abrir as fronteiras. É mesmo o maior dos desafios confiar, continuar a acreditar. Hoje o mundo dói. Mas todos os dias o mundo dói. Que todos os dias o mundo seja capaz de amar.




(Foto: Instant Bulb. Espetáculo Arte Move "Não me Calo... Danço")



segunda-feira, 9 de novembro de 2015


Às vezes estamos tão focados no que temos de fazer que nos esquecemos de que, para valer a pena, basta um momento. Um momento e tudo faz sentido. E hoje foi um dia de momentos que individualmente ou juntos ultrapassaram o que queríamos cumprir, espalhar a importância da Generosidade nas pessoas e entre as pessoas. Pausa para falar nisto da Generosidade/Kindness.

Quantas vezes somos tão exigentes que nos esquecemos de exigir o mais importante? Reconhecermos as nossas coisas boas. Porque isto da Generosidade começa dentro. Só depois pode ser honesta para os outros. Deixemos que os três planos caminhem em simultâneo, o que nos damos a nós mesmos, o que damos aos outros e o que damos ao mundo em que vivemos. E que saibamos que recebemos sempre que o coração se insufla. De alegria. De amor. De gratidão.

A Life Vest Inside é uma organização americana que tem como missão empoderar e unir as pessoas de todo mundo através da Generosidade, capacitando e dando ferramentas para que cada pessoa possa reconhecer o seu potencial e que, através do mesmo, possa ser um catalizador de mudança positiva no mundo. Todos os anos leva a cabo o Flash Mob mundial "Dance For Kindness" em que participam dezenas de países do mundo inteiro.

Este ano, em Portugal, participou um grupo de Lisboa e outro de Cascais. Participei com o CurAção e a Arte Move, no âmbito do nosso projeto de intervenção social "We Move", no Largo da Estação de Cascais. Distribuimos cartões com ações que celebram a nossa capacidade inata para o amor, com o compromisso de nós próprios as realizarmos. Erguemos a nossa bandeira, as nossas bandeiras: a da generosidade e a de Portugal.




sexta-feira, 30 de outubro de 2015



Eu já fui 3x ao lançamento do livro da Sandra "O meu cancro morreu e eu renasci." E 2x ao da Flávia "Quimioterapia e Beleza". Faço questão do reencontro, faço questão de reabsorver a partilha porque nunca é igual. Um ano tira e acrescenta muita coisa, leva e traz pessoas novas e renovadas, amadurece os discursos e fortalece os laços. Do mundo dos projetos sobre cancro, em Portugal, tenho um carinho especial pela Sandra (Partilhas), pela Marine (Cancro com Humor) e pela Vera (Cancro é Vida), pessoas que passaram a fazer parte do meu mundo, mesmo quando falamos com menor frequência.

Cada projeto que nasce do cancro é antes de mais nada um projeto de pessoa em crescimento e reconstrução, é antes de mais a pessoa e só depois a missão. Mas os melhores são os que permitem que a missão ultrapasse a pessoa e fale por si. E aí a pessoa não desaparece; apenas se torna melhor e mais forte. Quando são os egos que nos movem, diminuimos os outros e perdemos força. Queira eu ter sempre esta lucidez no caminho.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015


De todas as doenças que me podiam calhar, calhou-me uma que me atingiu o corpo todo: sistema linfático, sistema nervoso central... Não foi simpático calhar-me na rifa um linfoma em último grau, mas, por outro lado, tenho a dizer que fico contente com um diagnóstico que atestava que o meu corpo estava todo doente e não só uma das suas partes. E eu vou mais longe: o meu corpo físico, o meu corpo mental, o meu corpo emocional e o meu corpo espíritual, que também se manifestam através das minhas células, estariam também doentes. Estando eu toda doente, não tinha indicação para radioterapia ou cirurgia, que exercem uma ação localizada, que é uma coisa que a mim me faz um bocado de comichão. Uma doença não pertence a um corpo que constitui um sistema que está todo interligado? Para terem uma ideia de tão longe que vai a minha comichão, eu nem aceitei (ainda) que a dentista me arrancasse um dente por vias de uma cárie que se alojou num dos sisos! Faz-me comichão esta coisa de curar o corpo arrancando partes.

Entender o corpo como um todo. Entender uma pessoa como um todo. Entender o planeta como um todo. Entender o Universo como um Todo. Entender um sistema, uma empresa ou uma família como um todo. O todo nunca é de tirar a individualidade, a identidade e a importância de cada parte, seja essa parte um país, um cônjuge, um filho, um rim, uma árvore, o vizinho, um corpo, uma alma, um projeto.

Falemos de partes, sim, mas não isoladas do todo. A ciência ensinou-nos a controlar variáveis mas não pode controlar a realidade, na medida em que a realidade é mais do que a soma de variáveis, que numa dança interagem e nos trocam com voltas e baldrocas. E seria roubar a magia da vida conseguir controlar não só as variáveis de uma forma isolada, mas também a forma como as mesmas se relacionam e as ínfimas possibilidades de combinações entre elas.

Claro que conseguimos resolver um problema eliminando uma das partes da equação, um útero, um criminoso, uma comunidade, uma erva daninha, um marido, um delinquente, os tumores, as partes doentes da sociedade. Elimina-se e resolve-se. Mas o que é que se resolve? A chatice. Será que se resolve o problema de fundo?

As pessoas continuam a olhar para si aos bocados, corpos disformes e imperfeitos, objetos de desejo, controláveis para não se tornarem controladores. Enquanto controlarmos as partes não deixamos que as partes nos controlem. As mulheres querem-se inteiras, os homens querem-se inteiros, as pessoas querem-se de verdade, com sangue quente nas veias e o coração a palpitar. Não quero entrar num consultório médico para me mandarem tirar a roupa ou olharem para os meus neutrófilos sem saberem como me sinto quando abro as pernas a um desconhecido numa marquesa. Não quero um mundo de pessoas que sintam que não têm nada a ver com as guerras que se passam fora das suas fronteiras. Não quero um mundo de pessoas que achem que poluir o chão que não seja o da sua casa é normal. Não quero ver mulheres a quererem igualar os homens e a boicotarem as partes que as diferenciam e tornam especiais, como se isso não tivesse consequências a um nível muito mais alargado. Não quero ouvir pessoas a dizerem que não mudam porque a sua mudança não fará diferença se os outros também não mudarem. Onde está o poder de cada um? 

A minha cura passa por atingir esta sintonia, de várias partes em mim, de várias partes em consonância com o todo, o todo que eu sou, o todo que é o relacionamento em que me encontro, o todo que é a minha família, o todo que é o meu país, o todo que é o mundo em que vivo, o todo que é o universo que me trouxe a oportunidade de nascer e renascer. É para esta consciência global que quero contribuir, sendo eu própria cada vez mais inteira. O todo nunca poderá diluir o poder que reside em cada um porque é do poder de cada um que se alimenta o poder do todo. 





E para mim o maior problema do mundo em que nos encontramos - falemos de economia, política, educação, saúde, família, amor e por aí fora - é de visão, uma visão muito curta

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