Caro Sou-Doutor,
Às vezes posso parecer um bocadinho indisciplinada porque, afinal de contas, o sou-doutor é que tem os livros e os saberes na matéria, mas queria explicar-lhe que os meus livros e os meus mestres ensinaram-me a pensar. Bom, para dizer a verdade, não foi sempre assim, porque não me lembro de me terem torcido o pepino em pequenina para que soubesse que o poder sobre mim própria não está só nos outros, na minha mãe, na Irmã Guida, no Sou-Doutor Alberto J. (o meu otorrino até aos 10 anos, de quem não me recordo nem de uma expressão, gesto ou palavra mas deve ser lapso meu), no Padre Raúl, no Mário Soares, na S'tora Cidalina, na régua da Irmã Laura... Por acaso até estou a ser injusta porque logo no primeiro mês de vida, na incubadora, as enfermeiras da MAC disseram à minha mãe "Ela tem uma força! Temos mulher!" mas as enfermeiras não entram na classe dos Todo-Poderosos desta praça, embora possam ser bastante convincentes com uma agulha na mão...
Bom, mas não me ensinaram na escola, nem nas aulas de "Formação" nas freiras (o que se fazia mesmo naquelas aulas?), que eu sou mais do que um produto dos meus pais, dos meus professores, da minha religião, do meu país e dos seus dirigentes e dos meus sou-doutor's. Eles é que detinham o poder e também não estariam interessados em partilhá-lo. E a mim dava-me jeito ser criança e depender de todas estas vontades, preocupar-me apenas em aprender. E ouvir. Mas quando ouvimos com olhos de pensar, analisamos e começamos a questionar... E o meu lado perguntador manifestou-se na minha sede de conhecimento e aprendizagem... Era tão afoita que não descansava enquanto não aprendesse tudo o que vem nos livros! As respostas às minhas perguntas teriam de estar lá com certeza!
E cheguei à universidade para ser também sou-doutora e finalmente deter o poder, porque ser sou-doutora é que me dá o passaporte para poder vingar na minha vida! Os sou-doutor's é que podem: podem ter subordinados, podem ter dinheiro, podem mandar um bocadinho mais nas suas vidas e na dos outros e mostrar os fantásticos alunos que foram. O sou-doutor representa a liberdade de tantos anos de subordinação.
Por isso, peço-lhe já desculpa se lhe venho trocar as voltas e disser que não... É que houve um engano. Eu não tenho poder sobre ninguém, não sou dona de coisa nenhuma, não tenho casa, nem carro, nem dinheiro, nem empregados, nem há vagas para ser empregada de outro sou-doutor qualquer! Por isso, não me peça, sou-doutor, para ser disciplinada. É que na escola da vida aprendi que ninguém manda em ninguém, mas que sou-doutora é um titulo que reclamo para mim, para a minha responsabilidade, o poder sobre mim própria, as minhas escolhas e principalmente a minha capacidade de pensar! Aprendi a pensar e por isso não posso ser disciplinada a não ser comigo mesma... Desculpe-me sou-doutor! E eu sei que há muitos sou-doutor's por aí enganados a responsabilizar a crise e os sou-doutor's da política pelo estado em que se encontram. É que não lhes explicaram! Espero que não seja o seu caso...
Agradeço a sua atenção no meio da sua vida agitada e não aguardo a sua resposta. Voltarei a contactar assim que me for oportuno.
Com os melhores cumprimentos,
Rita Nobre Luz, mal-empregada, como se vê!
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