sábado, 5 de outubro de 2013

AceitAção


Aceitar. Dizem que a aceitação faz parte do processo. Do qual? De viver? De adoecer? Aprendi muito sobre aceitação no último ano. Já vinha a aprender antes, mas este ano o teste foi deveras desafiante. "Fulano não aceita a doença." "Tens de aceitar." Aprendi muito disso de aceitar, principalmente reconhecendo o que ainda não tinha aceitado até então. O então antes da doença. E tenho a dizer que hoje aceito muita coisa, menos a doença. Até o cancro eu aceitei! Mas não a doença. Não a doença, a inevitabilidade, a fatalidade e a condição de ter uma doença crónica. Aceitei o cancro como hóspede, mas não como inquilino. Não. Eu sei que os médicos dizem coisas como "Vai ter isto para a vida toda." "Tem x tempo de vida." ou "Não tem hipóteses se não fizer isto." Mas essas são as suas crenças. Eu tenho as minhas. E aqui tenho de admitir que sou um bocadinho possessiva. São minhas. E como já alguém dizia: "Eu sou muito eu!" Careca, mas eu!

Aceitar é fundamental porque aceitar dá assim uma paz que deixa os outros mais descansados. Aceitei, não se preocupem, está tudo bem. Mas vamos lá agora falar a sério...

Aprendi muito sobre aceitar. Aceitar-me como sou, com as minhas convições e as minhas maluquices, fragilidades, qualidades e defeitos que são feitio. É que esta parte poupa-nos muita energia! É assim! Gira e boa, como o helicóptero!

Aprendi muito sobre aceitar. Quando me aceito como sou, irrito-me menos com as diferenças (ou igualdades) dos outros. E não há amor sem aceitação. Nem próprio nem nenhum!

Aprendi muito sobre aceitar, percebendo o que me era difícil aceitar nos outros e o que não tinha aceitado, de maneira nenhuma, até então.

No outro dia perguntavam-me: "Foste para Cabo Verde fazer o bem e depois acontece-te isto. Não achas que é uma injustiça?" Sim, fui fazer o que eu acho que é bem, mas alguém me pediu para ir lá tentar mudar alguma coisa? Também não gosto que me arrumem a casa sem que o peça, quando me entendo na minha desarrumação. Se é justo? Não sei... Incorporei muitas das feridas de uma cultura/terra que não é a minha, mas que tem muito da minha. Eu não sou os meus antepassados mas transporto uma herança. Não aceitei muito do que vi, entrei em confronto e irritei-me com as barreiras que me foram impostas. Comprei uma guerra que não podia vencer. Acabei ferida. Se é justo? Se calhar é, ainda que para mim não seja. Preferia ter sido premiada com umas férias no Sal do que com um cancro! Ainda assim, nunca me tinham ensinado tanto de força, resiliência e sobrevivência como ali. E hoje sei que a tristeza nesta história foi a força na história que se seguiu. Dizia o Lucas que a Rita ia ficar boa porque tinha a mural di guettu. E o que é um cancrozito para o pessoal di guettu?


Coleção de olhinhos fortes no coração da ilha de Santiago, Porto Madeira

E quem acha que eu devia ter aceitado a inevitabilidade de estar agora numa cama do IPO, pense bem nas inevitabilidades da sua vida que podiam ser diferentes se, por um dia, parasse de as aceitar... para se aceitar a si como quer ser (e é lá no fundo).

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