Post inspirado na peça "Feio" da companhia Palco 13, em exibição até ao final do mês de Novembro, no Auditório F. Lopes Graça/Parque Palmela, em Cascais.
Hoje é dia de ir ao teatro em Cascais. E é o meu último post alusivo ao "Feio". Quatro actores não-feios, parodiando a beldade e a fealdade inerente ao facto de sermos de carne e osso e apreendermos o mundo também com os olhos, que transmitem uma determinada informação ao cérebro. E o cérebro precisa de ser desafiado, porque, sem contradição, não nos posicionamos. Sim, precisamos de coerência e estabilidade para adquirir competências e funcionar de uma forma adaptada, mas também precisamos de forças opostas que nos permitam estar em permanente transformação e evolução. E assim que me sento e começo a assistir à peça, ocorre-me logo "espera lá, mas este é que é O feio? Um feio que não é feio?" Pronto, não só sou obrigada a desconstruir a minha ideia de Feio, como sou obrigada a exercitar o cérebro para imaginar que estava à frente de uma pessoa muito feia.
Entretanto, o branco aparece como fundo reforçando ainda mais a ideia contraditória de uma sociedade com os valores pervertidos. O meu cérebro viajou, teletransportou-se para vários cenários sugeridos pela candura representada naquele espaço - sonho, céu, hospital psiquiátrico? Mas não seria afinal o inferno? E o exercício cerebral continuou ao ser levada a imaginar objectos e adereços que não estavam no espaço real, mas que fazem parte da história. Não sei se o teatro e as obras de arte devem conduzir-nos a grandes dissertações ou se devem apenas ser vivenciados, mas na medida em que o cérebro é estimulado e levado a realizar novas sinapses, essa ginástica mental que nos leva a des-construir, quando a vida real nos obriga a estar em permanente construção, já nos permite, ao mesmo tempo, pensar e des-pensar, sem ser necessário estar muito consciente do processo.
Aquele desconforto criado pela oposição que nos obriga a rever o que temos estereotipado, desde o mais subtil ao mais óbvio, do mais consciente ao mais inconsciente, desarruma-nos um bocadinho a casa, ainda que estejamos perante um cenário de linhas limpas e direitas, minimalista, para que nada nos distraia do que ali se passa e, sobretudo, para que nos apercebamos do que se passa e não se vê. Clean. (Ou dirty?) Afinal de contas, neste mundo em que vivemos, o sub-texto tem todos os dias vida própria, muito mais do que os bla bla bla's que muitas vezes não passam de isso mesmo, bla's, whiskas saquetas.
Parabéns aos feios, que afinal são bonitos! Quatro actores, quatro elogios, embora os elogios sejam estendidos a todos os implicados. E... não fiquem em casa!
Alfredo Matos Fotografia
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