(Foto Maçaroca Educação & Design, MakeUp By Me e CurAção)
Há dois anos atrás, no Hospital de Cascais, entrava a doutora pelo meu quarto a dentro para me dizer "Já sabemos o que tem.", depois de 5 dias sem notícias, mas já percebendo os burburinhos na equipa médica.
Vim de Cabo Verde com valores dos glóbulos brancos a atingir os 30000 (normal até 10000), com febre e não poderia ir para casa sem um diagnóstico. Em Cabo Verde, já tinha pesquisado no Google acerca desses valores alterados e a palavra que aparecia mais nos resultados da busca era leucemia. De qualquer forma havia sempre a hipótese de ser um processo infeccioso e era essa a minha preferida, claro. E o Google, convenhamos, diz tudo e não diz nada.
Naquela enfermaria, eu partilhava o quarto com uma senhora que estava muito contente em ter-me como companheira até ter assistido às minhas crises de dores, que podiam atingir qualquer parte do corpo e que eu descrevia como facadas que se passeavam pelas costas, peito e virilhas. Andava de um lado para o outro desesperada, descia pelas paredes, deitava-me, levantava-me, respirava... Poderia melhorar rapidamente com uma injeção intramuscular mas dizia o protocolo que tinha de começar pelo benuron (depois de 3 semanas com sintomas semelhantes e reconhecidos). A senhora não tardou a perceber o azar que lhe tinha saído na rifa: "Logo havia de me calhar uma que ainda está pior do que eu!" Fora isso tínhamos conversas tranquilas, mas já não me lembro sobre o quê.
"Tem um linfoma." Acho que não ouvi a palavra cancro porque o meu cancro tem o seu próprio nome. Mas a médica veio com reforços, com uma enfermeira que, depois da notícia do cancro, me viesse contar a história de uma familiar que tinha tido o mesmo diagnóstico, feito quimioterapia e recuperado com sucesso. Ora, ainda não tinha percebido o que estava a acontecer, já estava a levar com o meio e o fim do filme.
Não me lembro de mais nada a não ser de pensar que, se estava no estadio inicial como me diziam (o que não se veio a confirmar), não iria fazer quimioterapia porque já tinha lido o suficiente sobre cancro para saber que queria outras opções. Não gritei, não refilei. Ok. É isto, Rita. Tens cancro, vais pôr em prática tudo o que aprendeste e vais resolver isto. Não me lembro de muito mais. Os meus pais - e as amigas com quem falei ao telefone entretanto - devem lembrar-se de mais alguma coisa.
Sei que, na sequência da minha calma, foi o corpo a manifestar-se com a crise pior daquela semana, dores intensas e intermináveis porque, mais uma vez, quiseram começar pelo benuron e correr os analgésicos todos até me darem um derivado da morfina e finalmente adormecer. Adormecer. Tens cancro. Podes ir para casa. Estava na hora de acordar.
Depois de um ano a viver no Verão, tinha chegado o Inverno.
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