sábado, 4 de outubro de 2014

Dialética


Enquanto traço o meu plano de ação para 2014/2015, o segundo ano da recuperAção, vou questionando a utilidade deste espaço nesta fase.

No primeiro ano (a começar depois de interromper a quimioterapia), foram 365 posts em 365 dias que me foram necessários para afirmar todos os dias a mim mesma de que era capaz de me manter saudável apesar do vaticínio fatídico dos médicos. Chateei toda a gente que me acompanhou durante esses dias para tirar fotografias e fazer reportagem das "ações" em que me envolvia para registar no blog. Agora essa saga terminou. Usufruo dos momentos sem os fotografar e divulgar. Então e agora?

Se por um lado quero andar com a minha vida para a frente, sem ter que falar em cancro todos os dias, a verdade é que continuo a pesquisar e a estudar sobre este assunto todos os dias. Por outro lado, enquanto for ao hospital periodicamente e continuar com "sintomas-fantasma" decorrentes ou da toxicidade dos tratamentos ou do meu stress pós-traumático, ainda se justifica a partilha porque "o filme" não acaba quando o tratamento termina, muito pelo contrário.

Naquela que é a minha responsabilidade ao tornar este assunto público, não posso partilhar só o lado positivo, colorido e potencialmente inspirador, embora esteja mais confortável nesse registo e por isso haja tantos posts de celebração. Celebrar é confirmar porque cada dia representa confirmar-me. E confirmar-me repetidamente esconde a luta que ainda travo e a qual quero deixar ir.

Por isso decidi que o meu caminho profissional não passa por "lutas contra o cancro". Essa "luta" recebi de herança familiar e social mas não é a minha praia. Por isso escolhi estudar, pesquisar e entender, em vez de lutar e combater. Não me convidem para projetos contra e de combate ao cancro, mas podem convidar-me para projetos a favor de: entender a saúde e as doenças como o cancro, acolher as vivências e integrá-las no todo que é a experiência de ser pessoa. (Não quer dizer que a ideia não seja eliminar o cancro e que não seja necessário um espírito guerreiro para se estar vivo, mas a favor da vida e não contra um inimigo investido de todos os males, medos e ódios que não se conseguem assumir como próprios.)

Então e o blog? Sei que vou continuar a escrever porque escrever me organiza internamente e serve o meu lado mental, que precisa de "significar" e traduzir as vivências para as arrumar e me apaziguar. Mas publicamente? Esperei que o tempo me desse a resposta.

Entretanto, continuam a chegar até mim novas histórias de pessoas que são diagnosticadas com cancro. Percebi que, enquanto houver uma pessoa que se sinta ajudada pelo que escrevo e partilho, este espaço continua justificado. Essa é a resposta. Quando escrevo para o blog, já não quero servir apenas a minha necessidade de falar dos assuntos que abordo, mas também a utilidade dos mesmos para o leitor.

Tenho andado mais a ler do que a escrever. Sou tão intuitiva quanto racional e gosto de ter tudo fundamentado teórica e empiricamente, que mais não seja para, muitas vezes, pôr toda essa fundamentação de lado e seguir apenas o instinto. Em consciência porém. É um casamento para a vida, uns dias em conflito, outros num entendimento dialético. Não posso não questionar, nem deixar de pensar, mas também não posso passar por cima do que sinto. No final, o segredo é que a razão é sempre do coração.

Se tiverem questões, ponham-nas. Ajudam-me na pesquisa e ajudo-vos na reflexão. E vice-versa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

INSTAGRAM