Quando decidi ir para Cabo Verde, em 2011, mal eu sabia para onde esse avião me iria verdadeiramente levar... uma viagem sem retorno. Renascer. Começar de novo. Já estava a sentir a experiência sem saber que era apenas o primeiro passo num caminho longo, sinuoso, que passaria por um cancro e me levaria até onde me encontro neste momento. Partilho convosco o registo do meu primeiro dia desta aventura em CV. Está tudo aqui nestas palavras... despir-me... Despi-me... Mas a vida iria levar-me a despir muito, mas muito mais!
20/11/2011
Bichos… manifestações de vida que conseguem perturbar o juízo de qualquer parte de mim, desde que fui levada a acreditar que o seu lugar não seria dentro das mesmas quatro paredes onde tento dormir. Dormir… com o estranho bicho que teima em cantar algures perto dos meus pés. Não o vejo, não o procuro, olhos que não vêem para o coração não acordar a inquietação que evita manifestar-se a todo o custo, mas que já foge nestas palavras. Podes voltar a ressonar ao meu lado; estás perdoado! Eu é que ainda não me perdoei por ter dispensado esse privilégio!
(e canta a Alicia Chaves neste
momento: “…and i pray for forgiveness as it’s hard for me to pretend”)
Quando pensei em voltar a dividir
casa com alguém, (...) não me
ocorreu que as discussões fossem apenas nós que se criam num cordão que une
umbigos que se estão a conhecer e reconhecer permanentemente, nós de
marinheiros embarcados nas naus da Tormenta e da Boa Esperança. E que esses nós
têm o poder de unir e separar ao mesmo tempo, o que não deixa de ser uma
questão de opção. O que não é opção é o confronto. E perante o confronto há
então a opção. Ficar ou retirar.
Tormenta ou Esperança? Meio
cheio, meio vazio? Por que choro rodeada de sorrisos? Porque o desconhecido se
apresenta sempre despido e habituaram-nos a vestir tantos trapos sem os
quais já não podemos passar. Já não sei ver-me despida. Bem, só devo ter sabido
o que isso era no momento em que nasci e regredir assim tanto é doloroso,
porque neste novo parto sou parteira, sou parturiente e sou nubente. Claro que
tinha de chorar! Estou viva, não é esse o primeiro sinal? Mas claro que não
posso só chorar, senão nem “a ferros” o parto se dá! (Mas por que raio nasci
outra vez e tenho outra vez uma cama vazia ao meu lado? Oh Karma, que merda é
esta?)
Assim, despir-me de máquinas,
mecanismos, bengalas, conceitos e preconceitos, hábitos e manias, roupagens do
novo mundo que, de velho, se esqueceu de gatinhar, de dar primeiros
passos, de brincar… foi o que pedi
semiconscientemente de há uns tempos para cá…
e o que des-pedi assim que aqui cheguei!! Oh tempo, volta para trás!
O que leva a D. Dulce a vir
dar-me um abraço, a convidar-me para dormir na casa dela, a D. Marina a
oferecer-me o jantar, o Félix a pintar estas paredes antes de me conhecer? Por
que teima este bicho não identificado em cantar desde as 3h da manhã no meu
quarto? Por que está a cama do lado vazia? Por que está o espaço ao meu lado
vazio? Por que está a minha bexiga cheia para não me mijar de medo na “sala di
banho” do outro lado da estrada de terra batida?
Quando a D. Dulce bate à porta a
avisar de que a luz já tinha voltado e que podia apagar as velas que me
orientaram nas primeiras horas depois de o sol se pôr, disse-lhe em tom de
brincadeira desesperada “ah, afinal há luz! Quiseram dar-me as boas vindas da
praxe!” Não tinha eu esperado que procurar a minha Luz pudesse ser TÃO LITERAL
como caminhar às escuras de vela na mão num sítio completamente desconhecido. Jantar à luz das velas. Bem, se
é para voltar a vivenciar a Natureza, nada melhor do que ser recebida coma luz
do fogo, que queima e transforma, em vez da lâmpada, confortável, mas estática…
Não era essa a ideia?
Quem sabe descubra outro Fogo em
mim. A jornada começou. Nem posso pedir para acordar e descobrir que foi só um
sonho porque ainda não dormi e as galinhas já cantam há algumas horas!
“To the shake of an earthquake, I will never
fall. That’s how strong my Love is…” canta a Alicia enquanto termino
estas palavras… Smile. Não está tudo bem, mas está tudo certo. O que é isso do
“tudo bem?” 8h. O bicho calou-se.
A Jornada tinha mesmo começado! A Jornada que escolhi começar...
(adoeci precisamente um ano depois, na sequência de um ano tão duro como fascinante, e voei de CV para o Hospital de Cascais)
(adoeci precisamente um ano depois, na sequência de um ano tão duro como fascinante, e voei de CV para o Hospital de Cascais)
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