Sexta-feira, 21 de Março de 2014
As mães vêm com uma programação que as obriga a dizer certas
coisas e a ter certos comportamentos que as acompanham na sua vida toda com os
seus filhos. É como se dissessem: “esta é a minha função, preocupar-me contigo
e proteger-te.” Eu tenho uma mãe assim. É o conteúdo da pergunta ou da resposta
que interessa? Não. Interessa cumprir o seu propósito, mostrar que se preocupa
e assumir o papel de tomar conta da filha. A minha mãe está farta de saber a
resposta à pergunta do “casaco” mas tem de a fazer, sai-lhe de uma parte do
cérebro que ela não controla. Está no programa.
As mães devem estar programadas também para se separarem dos
seus filhos à medida que estes vão “crescendo e aprendendo”, para conseguir
amar deixando-os ir, porque querem que eles sejam felizes, um amor superior ao
aperto com que eventualmente ficam no coração. Eu tenho uma mãe assim. Que me
ensinou também a amar assim, a procurar em mim um amor suficientemente
incondicional que me permita querer a felicidade das pessoas de quem gosto,
independentemente dessa felicidade passar por estarem ou não a meu lado. Tenho
a sorte de ter uma mãe que não utiliza o seu aperto no peito para me manter ao
lado dela, nem ameaça sofrer desalmadamente na minha ausência. Aprendi a não o
fazer com as pessoas da minha vida.
Ao longo da sua vida de mãe, as mães vão fazendo actualizações
dos seus programas e aplicações, até porque os filhos têm temperamentos e
personalidades próprias e é necessário rever atitudes e comportamentos. E por
isso as mães não podem ser iguais com todos os filhos. A programação tem de ser
ajustada, ainda que as funcionalidades sejam as mesmas. Difícil.
Se para uma mãe é difícil lidar com o sofrimento dos filhos,
para os filhos também é difícil lidar com o sofrimento das mães. Fica aquela
pergunta a pairar: “o meu amor não é suficiente para tu não estares triste?” E
a resposta é que não é, porque cada um de nós tem um mundo próprio dentro de
si, separado do mundo dos outros, ainda que em relação com eles. É por isso que
é necessário saber dizer não a um filho e saber dizer não a uma mãe, com
legitimidade. E transferir essa capacidade para todas as outras pessoas com
quem nos relacionamos. Amor incondicional é aguentar a dor de uma mãe, de um
filho e de seja quem for sem ceder naquela que é a nossa verdade. Não é: não.
Para o bem de todos.
Quando um filho adoece, o sistema de alerta das mães é
accionado e volta tudo ao princípio. À simbiose, à não-separação, à ausência de
limites, ao sim. E, se volta tudo ao princípio, tem de passar tudo pelo meio
para chegar outra vez a um determinado fim. O que não é propriamente fácil para
ninguém, sobretudo quando já se anda, já se fala, já se é adulto e já se foi
independente.
Se as mães não devem chantagear os filhos para que não saiam
da sua beira, os filhos também não devem chantagear as mães para que lhes dêm a
atenção que alegadamente merecem, não porque não a mereçam, mas porque a chantagem
emocional começa no sofrimento de alguém e termina no sofrimento de outro
alguém. De qualquer forma, está nas mãos de cada parte ceder à chantagem ou não,
porque a verdade é que o sofrimento, que toca a todos, leva a distorcer o amor
e ninguém está livre de ser um grande chantagista ou um grande chantageado,
mesmo que das formas mais rebuscadas e inconscientes. Faz parte.
Assim sendo, também faz parte esquecer-me do casaco de vez
em quando para poder ouvir um “não vais
levar um casaco?” de quem me quer bem.
:) Fiel retrato... mas ainda bem que assim é! Beijo grande para as 2!
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