Subtítulo: E agora? O meu relacionamento afectivo com a vida e
comigo mesma
I.
Homeostase
emocional
Modo “Sempre assim,
em baixo em baixo em baixo”
Mantenho me muito tempo em cima, contrariando, contornando
ou confrontando-me com as minhas dificuldades e frustrações – consoante os
momentos – e, quando venho abaixo, bato no fundo para voltar a subir à tona de
água. Angústias. Medos. Ansiedade. O pacote-todo-das-coisas-que-não-queremos-manifestar-e-que-tomam-uma-forma-ainda-mais-assustadora-de-tanto-as-tentarmos-esconder.
Chorar, lamentar, zangar, pedir ajuda. Modo
não-gosto-de-me-ver-assim-mas-se-não-me-assumo-assim-nunca-mais-ando-para-a-frente!
Eu zangada com a vida. A Rita injustiçada, lamentada.
Modo “Sempre assim,
em cima em cima em cima”
Este são aqueles
momentos em que me encontro a sorrir com toda a razão e sem razão alguma,
aqueles em que me sinto agradecida por todos os encontros e desencontros da
vida, aqueles em que sou criativa, espontânea e poderosa na forma de ser e na
capacidade de transformar para ser ainda melhor, aqueles em que dou o melhor de
mim, a coisa mais fácil do mundo porque só tenho de Ser. Eu apaixonada pela
vida. A Rita grata, responsabilizada.
Desafios:
1. assumir
todas as dificuldades e frustrações do recomeço para que essa experiência seja
integrada – e não clivada – na experiência maior de ter toda uma vida pela
frente para reinventar, escolher e criar, oportunidade que nem todos têm ou se
permitem ter.
2. transformar
a paixão pela vida em amor, aceitando que a frustração faz parte e que o ego
tem sempre uma palavra a atrapalhar no meio disto tudo.
Nota: No meu
caso, o modo em baixo tem uma duração
curta e um bocadinho dramática – juízos de valor feitos a posteriori - mas acredito que o
objectivo último do nosso corpo, quer do ponto de vista físico, quer do ponto
de vista emocional, seja sempre a homeostase, o equilíbrio. Overdrama emocional depois do overdrama físico, que nem sempre ou quase
nunca são síncronos. Que saia o que tiver de sair. Que entre o que tiver de
entrar.
II.
Regresso
à vida real e ao que era e ainda sou
A doença ajuda-nos a baixar a guarda. Quando estamos
doentes, não temos energia e força para nos defendermos ou resistirmos. Na
verdade, a doença é uma fantástica experiência de entrega. Entrega ao outro que
é cuidador, entrega à fé e à sensibilidade, entrega ao próprio medo que até
fica pequenino por não encontrar resistência, entrega ao amor que surge de
todos os lados, mas sobretudo dentro de nós. Sem entrega não há cura.
Volta a saúde, voltam as defesas, os medos, as resistências,
a vida como ela era, a Rita como ela é. Não será igual, mas será mais do mesmo,
porque – voilá – c’est moi! Se eu pensava que de repente ia transformar-me num ser iluminado
vacinada contra as dores e as patetices da vida? Nem do tio Patinhas me livrei!
Se já estás a refilar muito, esquece a doença, porque: estás curado!
Desafios:
1. Não me esquecer de tudo o que experienciei e
continuar a aplicar as aprendizagens que fiz durante o processo da
doença/crise, na minha vida, nas minhas relações, no meu trabalho, com as
minhas pessoas e sobretudo comigo mesma.
Nota: Há alturas
em que parece que não aprendemos nada! Nada que uma chapadinha da vida não
resolva. Inha, universo, inha!
III.
Desamparo
Depois da doença, qual o sistema de suporte? Acabam-se os
médicos, as visitas, os mimos, o circo. E que faz o palhaço quando o circo
termina? E o artista quando a fama se esvai? A verdade é que há todo um
processo de reinserção na vida real que é negligenciado pelo sistema de saúde,
que se preocupa mais com a doença do que propriamente com a saúde. O regresso a
uma rotina, à vida profissional, à vida pessoal, a todos os papéis que deixámos
de assumir durante o tempo em que estivemos privados dessa possibilidade. E
acrescento que o sistema de saúde que temos reflecte as pessoas que somos:
preocupadas na doença, negligentes na saúde. Por que só temos tempo uns para os
outros quando estamos a morrer? Por que somos tão sensacionalistas? Pois é, pessoas
doentes/curadas, a doença é dura, mas a depressão pós-doença é uma realidade. E
tratar e entender este desamparo é fundamental para prevenir recidivas. O
cancro não volta repetidamente se o entendermos, se soubermos ouvir. E o corpo
é tagarela e não se cala enquanto não o escutarmos.
Por que é que é difícil voltar à vida real? Bom, começando
pelo corpo, levou uma tareia tal que não há nada que esteja nos sítios
conhecidos e devidos; passando pela cabeça, levou uma lavagem tal que as ideias
têm de ser todas reabilitadas e realojadas; terminando no coração: esse é o
máximo, porque ainda bate depois de tudo isto! (Falta a alma, mas essa… não é
pequena, já se sabe!)
Desafios:
1. Muita calma nessa hora.
2. Olhar para dentro e reconhecer que esse desamparo provavelmente
já cá estava antes da doença e que está na hora de o abraçar se queremos dar o
passo em frente e não voltar para trás. É tempo de confrontar e desenvolver
estratégias e mecanismos internos para lidar com a realidade, recorrendo a
mecanismos externos se necessário, mas sempre conscientes de que somos as
estrelas do nosso campeonato, para o bem e para o mal.
IV. Crise de
identidade
Com quem me identifico? Quem sou agora? Como estou? Onde
estou? E para onde vou? São as mesmas pessoas? A mesma rede de amigos? O que
mudou? Mudaram as pessoas, mudei eu? Não voltamos ao ponto de partida porque o
tempo entretanto continuou e, como tal, também poderá ter mudado o ponto de
chegada. Há conversas que já não nos fazem sentido ter, pessoas que já nem nos
apetece ver, pessoas que já não nos querem ver, coisas que já não queremos
aturar. Às vezes queremos isso tudo, outras vezes não queremos nada disso. Ninguém
nos entende! Ninguém! E nós, sabemos explicar?
Desafios:
1. um dia de cada vez! Baby
steps e confiança. Tudo vai ao lugar e, se o lugar não for o mesmo de
antigamente, é bom sinal. Avançámos.
2. Como dizia uma amiga minha no meu último devaneio: “nós –
os outros - não temos de entender, só temos de aceitar”. E nós – os eus –
também não temos de entender tudo, mas aceitar que, agora, é assim.
Nota final: Há
pessoas que experienciam a doença de uma forma menos limitadora, com sintomas
físicos menos condicionantes e que podem manter intactas a capacidade de
exercerem as actividades diárias e manterem os seus relacionamentos, mas
acredito que a doença não se apresenta e não se vai embora sem deixar pelo
menos as marcas de um tufão. Se a doença não se quer ir embora de maneira
nenhuma, desculpem-me pessoas doentes, que venha o tufão!
Adorei! Revejo-me em tudo! Como é possivel? Estamos cá para acreditar e aceitar! ♥♥♥
ResponderEliminarÉ um bocadinho possível porque as linfobabes são a minha primeira fonte de inspiração! ;)
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