Estou numa fase acriativa. É verdade que o estado saudável é um estado naturalmente criativo e que a doença é o outro lado da moeda. Não que a dor não tenha inspirado muitos artistas, mas a doença deprime-nos a criatividade quando nos ocupa muito espaço. Tenho andado com sintomas de infeção urinária nos últimos 5 meses. Estou sempre numa aflição que me dificulta a paz para me encontrar, seja na escrita, seja no sono, seja nas coisas boas da vida. Hoje sentei-me com uma caneta e um papel e ouvi-me a mim mesma:
Sossega. Confia. E o teu corpo segue-te. O teu corpo segue-te. Para onde tu fores, ele vai. Às vezes não é fácil perceberes para onde estás a ir e, na verdade, é tão difícil o buraco como a montanha.
Não sei de onde isto veio mas saíu assim da caneta. Neste momento não quero o buraco nem a montanha. Só a planície. O ar. O espaço. A luz. A luz. E o silêncio.
É curioso como acreditamos que as pessoas que sofrem em vida encontram a paz quando morrem. E ainda por cima quem morre vai para a luz! Mas em que mundo vivemos? Nas trevas? Quero paz, luz e silêncio em vida e por isso vou fazer uma pausa. Sobretudo sentir que coisas tenho de pausar na minha vida e em mim para que esta urgência de urinar não me tolde o discernimento. O sentimento, esse, é de frustração. E, se calhar, tantas mais coisas que não fui expressando, tão ocupada que estava a ser criativa, positiva, alegre e feliz. Tudo verdade. Mas não toda a verdade.
Já tive muitas macacoas nos últimos dois anos, muita coisa mudou depois dos tratamentos e muita coisa se mistura. Há um estado permanente de alerta que é tão involuntário como esgotante; há uma tendência para toda a gente que está à nossa volta normalizar o que acontece - é tudo normal, como se eu não sentisse a diferença do normal para o diferente que é esta fase pós-quimioterapia-cancro-internamentos-guerra-trinta-por-uma-linha; há muito barulho. A última vez que senti muito barulho foi quando tive de decidir fazer ou não o transplante, continuar ou não os tratamentos. Foi no silêncio que encontrei a resposta. Foi do silêncio que renasci. Vou dando notícias. Sem promessa. Com amor.
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