De todas as doenças que me podiam calhar, calhou-me uma que me atingiu o corpo todo: sistema linfático, sistema nervoso central... Não foi simpático calhar-me na rifa um linfoma em último grau, mas, por outro lado, tenho a dizer que fico contente com um diagnóstico que atestava que o meu corpo estava todo doente e não só uma das suas partes. E eu vou mais longe: o meu corpo físico, o meu corpo mental, o meu corpo emocional e o meu corpo espíritual, que também se manifestam através das minhas células, estariam também doentes. Estando eu toda doente, não tinha indicação para radioterapia ou cirurgia, que exercem uma ação localizada, que é uma coisa que a mim me faz um bocado de comichão. Uma doença não pertence a um corpo que constitui um sistema que está todo interligado? Para terem uma ideia de tão longe que vai a minha comichão, eu nem aceitei (ainda) que a dentista me arrancasse um dente por vias de uma cárie que se alojou num dos sisos! Faz-me comichão esta coisa de curar o corpo arrancando partes.
Entender o corpo como um todo. Entender uma pessoa como um todo. Entender o planeta como um todo. Entender o Universo como um Todo. Entender um sistema, uma empresa ou uma família como um todo. O todo nunca é de tirar a individualidade, a identidade e a importância de cada parte, seja essa parte um país, um cônjuge, um filho, um rim, uma árvore, o vizinho, um corpo, uma alma, um projeto.
Falemos de partes, sim, mas não isoladas do todo. A ciência ensinou-nos a controlar variáveis mas não pode controlar a realidade, na medida em que a realidade é mais do que a soma de variáveis, que numa dança interagem e nos trocam com voltas e baldrocas. E seria roubar a magia da vida conseguir controlar não só as variáveis de uma forma isolada, mas também a forma como as mesmas se relacionam e as ínfimas possibilidades de combinações entre elas.
Claro que conseguimos resolver um problema eliminando uma das partes da equação, um útero, um criminoso, uma comunidade, uma erva daninha, um marido, um delinquente, os tumores, as partes doentes da sociedade. Elimina-se e resolve-se. Mas o que é que se resolve? A chatice. Será que se resolve o problema de fundo?
As pessoas continuam a olhar para si aos bocados, corpos disformes e imperfeitos, objetos de desejo, controláveis para não se tornarem controladores. Enquanto controlarmos as partes não deixamos que as partes nos controlem. As mulheres querem-se inteiras, os homens querem-se inteiros, as pessoas querem-se de verdade, com sangue quente nas veias e o coração a palpitar. Não quero entrar num consultório médico para me mandarem tirar a roupa ou olharem para os meus neutrófilos sem saberem como me sinto quando abro as pernas a um desconhecido numa marquesa. Não quero um mundo de pessoas que sintam que não têm nada a ver com as guerras que se passam fora das suas fronteiras. Não quero um mundo de pessoas que achem que poluir o chão que não seja o da sua casa é normal. Não quero ver mulheres a quererem igualar os homens e a boicotarem as partes que as diferenciam e tornam especiais, como se isso não tivesse consequências a um nível muito mais alargado. Não quero ouvir pessoas a dizerem que não mudam porque a sua mudança não fará diferença se os outros também não mudarem. Onde está o poder de cada um?
A minha cura passa por atingir esta sintonia, de várias partes em mim, de várias partes em consonância com o todo, o todo que eu sou, o todo que é o relacionamento em que me encontro, o todo que é a minha família, o todo que é o meu país, o todo que é o mundo em que vivo, o todo que é o universo que me trouxe a oportunidade de nascer e renascer. É para esta consciência global que quero contribuir, sendo eu própria cada vez mais inteira. O todo nunca poderá diluir o poder que reside em cada um porque é do poder de cada um que se alimenta o poder do todo.
E para mim o maior problema do mundo em que nos encontramos - falemos de economia, política, educação, saúde, família, amor e por aí fora - é de visão, uma visão muito curta.
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