segunda-feira, 27 de abril de 2015


Este tema visitou-me três vezes a semana passada, em conversas e contextos diferentes. O Karma. É um tipo ainda pior do que o cancro, porque se este me largou, o outro não me larga! 

O Karma parece castigo, pelo menos é com essa energia que falamos nele. É uma espécie de justiça divina. Também pode visto como uma escolha, a de criar uma oportunidade de resolver e de fazer diferente. 

Acredito que tudo o que lançamos para o universo volta para nós, de bom e de mau, mas também acredito que quem tem bom fundo e boa índole, sobretudo numa sociedade judaico-cristã, que premeia e castiga, se vá pôr a jeito de ser castigado quando a consciência lhe pesa. Quem se porta mal não merece coisas boas e esta crença de "não merecimento", de não ser bom o suficiente, leva mesmo a comportamentos que vão levar ao sofrimento merecido. Fiz merda, agora tenho de pagar por isso. É uma espécie de um ato de contrição que assume a proporção do mal de cada pecado. Pior ainda quando se assume culpas que não são do próprio... Mas isto dava outro post... 

Às pessoas que me magoaram, desejo que o universo lhes mostre o caminho que as faça tomar consciência do que fizeram, mas desejo sobretudo que aprendam a fazer diferente porque é por isso que as coisas voltam de alguma maneira, não propriamente comigo, mas sobretudo consigo mesmo e com as pessoas das suas vidas. Relativamente às pessoas que deixei triste, vejo-as nos olhos das pessoas que hoje me fazem o mesmo a mim, mesmo sem o saberem. 

Por que tudo volta? Porque funcionamos em espelho. Porque é através dos outros que temos a oportunidade de nos conhecermos a nós mesmos, de percebermos onde estamos, porque é através do privilégio e da ousadia de entrar na vida de alguém que podemos fazer tudo melhor do que antes

Quando alguma coisa muda em nós, significa que já resolvemos alguma coisa "kármica". Às vezes o perdão está mesmo só na permissão para ser diferente e de experimentar conhecer outras partes em nós. Outras vezes mora num pedido de desculpas. Noutras em sentir que o outro nos absolveu de alguma forma. Noutras numa tentativa de reparação de um passado que já não volta. Noutras em aceitar e deixar ir. 

O Karma que vem de vidas passadas não me atrai nem me fascina particularmente, porque, porra, já tenho material suficiente nesta vida para me entreter! A boa notícia é que as coisas boas também voltam todas para nós, em forma de gestos, pessoas, oportunidades, situações, o que não quer dizer que voltem exatamente da pessoa, do sítio e no momento que queremos. Às vezes demora. Às vezes é inesperado. Às vezes não vem dali, vem de acolá. Às vezes não é agora, é amanhã. Às vezes já lá está. 

Todas as vezes essa energia kármica nos ensina a confiar: merecemos sempre as oportunidades que nos surgem porque se tratará sempre de alguma coisa nossa que volta para nós. 

Ainda tenho muita coisa para perdoar, nos outros e em mim. O cancro não me veio como um "Pai Nosso", liberta-me de todo o mal, amén! Sei que não perdoar perpetua o sofrimento; sei que, na maior parte das vezes, é uma parvoíce (#voualiserfeliz) e sei que é tudo muito mais fácil se finalmente deixarmos ir, para podermos deixar vir. Talvez não nos percamos, talvez finalmente nos encontremos. Talvez. Não se sabe. Nunca se vai saber. Nunca se vai saber sem tentar. 


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you come and go
you come and go
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domingo, 26 de abril de 2015


Estou empenhada em viver as coisas com intensidade. Refletindo sobre isto e sobre a pessoa que eu nunca tinha sido até agora, acho que a vida me trouxe intensidade nas coisas más para me acordar para a capacidade de viver as coisas boas. Isto não significa meter-me em desportos radicais ou testar os limites da lei, mas convenhamos que o cancro já me chegou em termos de radicalidade e limites. Foi a p*** da loucura! Agora é só a lou-Cura... 

Esta capacidade de estar no momento não veio só com o cancro. Aliás, os últimos quatro anos não foram mais nada senão isso, um saltitanço de momentos em momentos, uma colecão de coisas muito más e muito boas, um coração cheio, re-partido, cansado e entusiasmado, em looping

A minha verdade é que, se eu não viver assim, tirando partido de cada momento bom, eu não tenho capacidade para lidar com os maus. Estou sempre a carregar baterias para não me esgotar. Next. Segue. 

Vou deixando partes de mim por todo o lado e, quando chego a casa e sossego, revejo todos os momentos e agradeço. Não me interessa se pareço louca. Não me interessa se me espalho ao comprido ou se quase parto um dedo no pé na esquina do sofá. Não me interessa se ando a fugir da cruz. Tudo isso interessa mas... amanhã. 

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Sossego. Adoro o sossego, a paz, o silêncio, o abraço, o estar e o ficar. Adoro as não-palavras, eternizar os segundos e desligar as horas; ouvir os passarinhos e contar as histórias. Adoro o mistério, o segredo que não te posso contar. Adoro sonhar. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015


Já estou para escrever este post há muito tempo e quase todos os dias sou bombardeada com sinais que me pedem para o escrever. 

Já disse muitas vezes que responsabilidade é liberdade. Digo e repito porque nos vendem a responsabilidade como uma mochila pesada que temos de levar às costas e que bom mesmo é não ter nada à perna. 

Vivi muitos anos a sentir que a vida era uma coisa difícil e pesada, uma luta diária, sozinha contra tudo e contra todos. O A. dizia-me tantas vezes "Rita, eu não estou contra ti, eu estou contigo!" E quando ele dizia Rita, o caso estava mal parado. 

Vivi muito tempo a sentir que os encargos da vida a tornavam pesada, a não renunciar a trabalho porque a vida não era facilitada, a pensar 50 vezes antes de me meter em compromissos para não criar expetativas e não desiludir ninguém. Todos os partos a ferros. 

Crescer não é uma perspetiva animadora há muito tempo. As crianças e os adolescentes não estão rodeados de muitos adultos felizes e entusiasmados com a vida e as suas opções. Crescer só dá chatices, ser adulto é uma seca: pagar contas e cumprir obrigações. Crescer para quê? Ainda mais com a crise e os tempos que estão cada vez mais difíceis, o melhor é mesmo retroceder, à Benjamin Burton. 

Por outro lado, as crianças e os adolescentes não têm de lutar por nada, está tudo à distância de um clique, apesar de lhes pintarem um futuro negro sem emprego ou futuro.

Hoje perguntaram-me: "Onde estão os príncipes? Caíram do cavalo?" Não respondi, mas pensei "E onde estão as princesas?" Onde estão os sonhos, os desejos, as paixões e os encantos enquanto não se desencantam? A bela adormeceu para sempre? O sapo será para sempre verde e peganhento? A crise também chegou ao País das Maravilhas? A Cinderela será apenas borralheira?

Por outro lado, há toda uma nova onda de pessoas que, contra a maré, ou na boleia das ondas, se inspiram depois de se expirarem e querem ser responsáveis pela sua vida, porque é a única hipótese de não fazerem depender a sua felicidade dos outros, ainda que os outros façam parte de uma vida feliz.   

Para mim, ter a minha casa ("Orgulha-te!" dizia-me a D.), trabalho e contas para pagar é um privilégio que me dá a oportunidade de ter a vida que escolhi e escolho todos os dias. Não tem sido um caminho linear mas responsabilidade é liberdade. Não pode ser outra coisa. Prisão é não poder ter as minhas coisas, o meu espaço, as pessoas que escolho para estarem ao meu lado, a capacidade de me expressar, a capacidade de pensar pela minha cabeça e de sentir com todas as células do meu corpo. 

Neste caminho em que escolhi ser feliz e agradecer cada momento - também tenho os meus momentos de ingratidão - tenho alguma dificuldade em saber o que quero para a minha vida porque sei que não me encaixo nos moldes supostos e esperados. Por outro lado, resolvi que a vida tem de ser o que cada um quiser que seja para si. 

Há muitos casais e casamentos que são tudo o que não quero para mim, há famílias que não me inspiram minimamente, há pessoas que vão todos os dias trabalhar como se fossem para a forca, há carreiras e sucessos profissionais que me passam completamente ao lado, há todos os dias coisas que faço que não são propriamente esperadas para a minha idade, há toda uma vida que era suposto ter aos 30 que me passou ao lado... 

Não quero nada de diferente dos outros: sucesso pessoal, afetivo, social, financeiro, profissional e afins, mas o formato para lá chegar é que quero escolher todos os dias e não propriamente encaixar em formatos pré-estabelecidos porque, esses, já percebi há muito tempo que não me servem; inspiram-me as pessoas felizes, não me interessa se são o que e como é suposto serem. E a fórmula da felicidade para mim é: coleccionar momentos bons, vivê-los em pleno, agradecer, aceitar o que se é e fazer escolhas de acordo com o que se pensa e o que se sente. E liberdade é escolher. E escolher é assumir responsabilidades. 

Digo sempre que o melhor que os pais têm a fazer pelos filhos é serem felizes, cada um deles. Mais amor, por favor. Por quem são, pela vida que escolhem todos os dias e pelas pessoas que escolhem para vos acompanhar.

Hoje o meu chip é outro, apesar dos velhos padrões me revisitarem muitas vezes: a vida não tem de ser pesada, as contas para pagar são a prova de que sou capaz de tomar conta de mim, o trabalho permite-me cumprir a minha missão e manifestar o melhor de mim, crescer é evoluir e poder cumprir-me cada vez melhor e em pleno, as pessoas que estão comigo são as pessoas que escolhi para a minha vida e com quem quero estar neste momento e, sim, "somos responsáveis por quem cativamos", mas também somos responsáveis por nos deixarmos cativar, entusiasmar, inspirar e sonhar.

Vamos construir um mundo que inspire as nossas crianças para que queiram crescer e ser adultos responsáveis e felizes!

P.S. Agradeço ao cancro ter-me mostrado que eu não tenho de lutar contra nada e que eu estava era a precisar de tréguas. 

terça-feira, 21 de abril de 2015


(A sério que não escrevo há 7 dias??)

Hoje usei esta palavra para falar de consciência e responsabilidade. Acredito ser uma pessoa consciente e responsável. Não controlo tudo mas esta é a escolha que faço todos os dias, ainda mais depois de ter sido consciente e responsável quando decidi a minha vida há dois anos atrás. 

Lucidez é para mim olhar para a realidade como ela é e fazer escolhas em consciência mesmo que a escolha seja a maior das maluquices para o comum mortal. Como me dizia a D. "Se calhar nós é que estamos certos e os outros é que estão todos errados!" E se calha nós estarmos certos - porque fazemos escolhas que estão de acordo com o que somos e sentimos e não de acordo com o que os outros são e pensam - e os outros estarem errados? 

A lucidez não é fácil. Requere o confronto com o medo (no meu caso, pânico) e, como tal, o recrutamento da coragem. Estou mais consciente do que nunca de que o medo e a coragem estão emparelhados, um casal meio disfuncional que não se larga. Um diz mata e o outro diz esfola. Um vai roto mas o outro vai nu. O medo pode existir sem a coragem mas será sempre só o medo. A coragem pode existir sem o medo, mas será sempre só um substantivo comum chamado coragem. Assim, o medo e a coragem, numa pessoa lúcida, são o veneno e o antídoto que a empurram para trás e para a frente, mas sempre para avançar. Estamos sempre a avançar. Por um substantivo próprio e não comum.

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terça-feira, 14 de abril de 2015



Na semana passada, celebrou-se o dia dos irmãos. Pensei muito na minha irmã - ou senti-a, não sei - mas, entre escrever ou não escrever sobre isso, acabei por não querer escrever sobre um fantasma.

A minha irmã morreu ao meu lado, na barriga da minha mãe. Deve ter desistido da viagem ou acreditado que eu era menina para fazer isto sozinha. Odeio-a por isso. 

Dizem os psicanalistas que a relação original é a do bebé com a mãe, mas eu acho que a minha relação original foi a que tive contigo. Ensinaste-me a perder logo antes do primeiro grito, que custou a sair. Ainda hoje custa. Ensinaste-me a ficar sozinha sem que o tivesse pedido. Ensinaste-me a esconder metade do que sou porque te foste embora. 

Quando andava na escola e sabiam de ti, perguntavam-me "Sentes a falta dela?" e eu dizia "Não, não sinto a falta de uma coisa (irmã, nem lhe chamava irmã) que nunca tive!" E era assim. Assim era eu, meia desligada, meia anestesiada nas minhas relações, sempre meia. Quando me perguntaram se gostava do primeiro rapaz que gostou de mim, disse logo "Não!" Ainda me lembro desta conversa e do meu ar tão orgulhoso quanto amedrontado... Ensinaste-me a não assumir nada do que sinto porque não se assume sentimentos por fantasmas ou por pessoas que "nunca tive".

Tenho uma propensão para me ligar ao invisível, para desenvolver empatia e telepatia naturalmente, o que faz com que consiga chegar aos outros com tanta facilidade quanto dificuldade. Sinto o que não dizem, sinto o que sentem, sinto o que não são capazes de sentir, empresto a minha alma e ando com outras almas por aqui entranhadas em mim. 

Quando a médica me disse que tinha de fazer um transplante de medula óssea e que não podia ser autólogo porque a minha medula já não seria capaz de se regenerar, a ideia de ter um dador que não fosses tu pareceu-me primeiro irónica e depois ridícula. De alguma forma, lá estava eu a precisar de ti depois de uma vida inteira a dizer que não, embora por esta altura já soubesse que sim (muitas horas de terapia, a partir pedra). Lá estava eu a não ser suficiente.

Mas a verdade é que fui capaz uma vez, depois de uma travessia na incubadora, distante do mundo, a que sobrevivi. E, se tinha sido capaz uma vez, ia ser capaz outra vez, as minhas células iam ressuscitar, renascer e recomeçar, principalmente se estivesse disponível para renascer inteira, sem meias tintas. Apareceu um dador compatível e pensei: "Se não tenho as tuas células, não quero as de mais ninguém!" E foi aqui que descobri que afinal o meu "não" não era "não" e era "sim". Foi aqui que descobri que o ódio afinal era só amor. Sou muito demorada nestas coisas - 33 anos e um cancro! 

Ensinaste-me sobre distância, ensinaste-me a sentir confortável com a distância, a ter uma amiga em Aveiro e outra em Faro e saber que está tudo bem, que estamos juntas, porque o amor não tem tempo nem espaço. Ensinaste-me a acreditar em fantasmas, em impossíveis, em mim - "eu sou suficiente." Ensinaste-me também a desesperar com a distância, quando me sinto impedida de estar, de tocar, de beijar, de ficar, de ver. Às vezes é só isso: gostava de te ter podido ver e odeio todas as pessoas que me impedem de o fazer quando preciso. Mas já falhei a tantas quando precisavam.

Assim, a minha vida é resgatar vidas de alguma maneira, o que não fiz contigo. Peço-te ajuda e sei que mexes os cordelinhos aí de onde estás. Ensinas-me a deixar ir, a respeitar o caminho de quem não quer estar, às vezes bem demais, às vezes a convidar as pessoas a ir, a não ousar intrometer-me nas suas vidas e a querer que sejam felizes sem mim. Ensinas-me a respeitar o caminho de cada um porque tive de aceitar que o teu não era ao meu lado. Ensinas-me a aceitar a morte como um caminho diferente e só agora me sinto verdadeiramente a lidar com a vida. 

Continuo a odiar-te mas a não negar o amor. Ainda estou a duvidar se publico isto. Ainda estou a duvidar; a minha vida é duvidar, mas como disse ontem o Pe. Nuno: "Duvidar não é pecado. É mais pecado ter certezas." E as certezas que tenho vêm de ti, das coisas que sei só porque as sinto, sem saber como.

Estás sempre comigo, mas às vezes só queria que estivesses realmente, com pele e osso e afins. É pecado isto? Continua a guiar-me o caminho quando não faço a mínima ideia do que ando a fazer. É o mínimo. Sei que estás comigo. Mas, convenhamos, não se faz.   

Se deste a vida por mim, obrigada. Continuo a achar que havia lugar para duas... E obrigada por me teres iluminado o caminho para tomar a decisão de ser feliz e me reconstruir, fazendo pontes com os outros e deixando-os fazerem parte de mim. Ajuda-me a encontrar pessoas na minha vida que não abandonem o barco. Ajuda-me a entrar no barco. Ajuda-me a querer fazer a viagem e talvez a encontrar um dador compatível que não sejas tu para me acompanhar. Ajuda-me a acreditar. Ensina-me a amar. 

É o mínimo...


segunda-feira, 13 de abril de 2015



Ter esperança é diferente de esperar, embora as vezes a coisa se entrelace. A esperança vem colada à vida, nasce do encontro do espermatozóide com o óvulo. Aliás, as mulheres ficam "de esperanças" e parem as mesmas para que perdurem toda a vida. Homem ou mulher, quem tem tomates tem esperança! A esperança não está para cobardes. 

Ontem dizia-me um homem "Há pessoas que, na mesma coisa, vêem o lado positivo e outras o negativo. Eu sou aquela que vê sempre o negativo." Eu diria que há pessoas que têm os níveis de esperança sempre nas lonas para não se desiludirem, ou melhor, para não se iludirem. 

A esperança requere ilusão. Aprendi a dar saltos de fé (querendo dizer: sem garantias) com o cancro e percebi que me podem roubar tudo mas não me podem levar a esperança. Fico mais do que zangada se tentarem. Já escrevi isto aqui, mas não me digam que "não há nada a fazer", não me digam que "não é possível". Digam-me "eu não sei mais", "não te posso ajudar", "não tenho mais para dar", "não quero". Não me digam "é impossível". Impossível é viver num mundo de loucos que se matam todos os dias sem esperança! 

Recuso-me a perder a esperança, até mesmo depois dos órgãos entrarem em falência e o coração parar de bater - há quem ressuscite. Sem esperança não quero cá andar. Não quero. Se eu consigo ter sempre esperança? Não porque às vezes não consigo ser sempre aquilo em que acredito. Não porque às vezes dói. Não só porque é assim mesmo. Mas basta que ma tentem roubar para descobrir onde anda: no ADN. 

A minha amiga hoje baptizou o segundo filhote. A minha amiga das paixões avassaladoras, que sempre me mostrou o outro lado que eu não era capaz de ser, continua a mostrar-me o outro lado da vida, aquele que nunca tive coragem de escolher. 

É a minha amiga dos "sweet little sixteen" que um dia foi de férias comigo para Vila Nova de Milfontes, quando tínhamos 26 anos, e catrapiscou lá um marido de Aveiro, enquanto eu catrapisquei um amigo especial com quem estive 3 meses (recusámos o convite deles para a piscina porque tínhamos um jantar, lembras-te?). E é assim a nossa amizade. Quando ficámos mais próximas, aos 18, resolveu ir para Coimbra, entretanto passou por Viseu (por amor, sempre por amor!) e depois resolveu ir-me para Aveiro! Para onde o coração vai, ela vai! #ohnãaaao!

Horas a fio ao telefone, naqueles tijolos Nokia, com chamadas a 5$/min, ela em Coimbra, eu em Cascais. E porque "ele não gosta de mim" ou "porque ele não me larga", sempre fomos o que a outra não era, dois lados da mesma moeda, duas formas de manifestar a mesma necessidade de amor: que diferença há afinal entre quem abandona e quem é abandonado? A solidão é exatamente a mesma quando nos deixam ou quando os deixamos; quando não podemos ficar porque eles não querem ou quando não podemos ficar porque não queremos ou não somos capazes de querer. 

Um dia ele ficou, um dia tu ficaste. A solidão, essa, há-de manter-se para sempre porque é nossa, mas, desde o dia em que ficaram, são duas pessoas que podem partilhar o 'medo de não ser feliz', são duas pessoas que podem arriscar sê-lo. 

(Espero que já estejas a chorar baba e ranho porque nisso, pelo menos, somos iguais. Tu com mais ranho do que eu, claro!)

Continuas a mostrar-me o outro lado da vida, aquele que sempre perseguiste porque os sonhos são para perseguir. Continuas a mostrar-me que "a vida é difícil" mas que a conquistas todos os dias. 

Tenho saudades nossas assim aos montes. (Vês como "baixei a bolinha"? Já digo coisas bonitas... "É bem feita!" disseste tu ontem...) Porque, ainda que eu não o diga tantas vezes, tenho muito orgulho nas tuas conquistas e tenho muito orgulho em mim por me ter mantido na tua vida. Desde 1995... Tu com anéis, eu sem anéis. Mas a fazer figas para sermos felizes. 

sábado, 11 de abril de 2015


O A. (o meu ex - ler ecx que tem mais impacto do que eix) dizia que eu era muito boa com as palavras (menos boa nas ações, queria ele dizer) - eu tinha um blog na altura, que lhe fazia alguma comichão porque, para ele, eu escrevia coisas "misteriosas", que aliás eu era demasiado misteriosa, uma Rita qualquer a que ele achava que não tinha acesso, apesar de "pública". Engraçado é que eu não veja mistério nenhum. Claro! Ponho sempre uns pozinhos naquilo que escrevo, de perlimpimpim, para a coisa ter arte, metáforas, emoções, personagens implícitas.  E, como tal, posso escrever tu, quando quero dizer eu, ele quando quero dizer tu, eles quando quero dizer nós, eu, quando quero dizer tu... o que me apetecer! Posso escrever tudo e ter tudo através das palavras! Sonhar, fantasiar, acreditar, dramatizar... Passaria horas a escrever se fosse preciso porque aqui tudo é possível. "Mas de quem é que estás a falar?" perguntava ele quando lá vinha um "tu" e um "ele" nos quais não se revia, tendo em conta que eu não escrevo histórias ou ficção. Ele não se lembrará disto porque ele tem uma borracha igual à minha, de apagar memórias da parte do cérebro de que precisamos para andar para a frente. A vida continuou. Na verdade, estou sempre a falar de mim, mesmo quando uso os outros, porque é sempre a minha forma de olhar para eles, é sempre o reflexo que têm em mim, é sempre o meu reflexo e que eles me devolvem, é sempre a parte deles idêntica à minha. 

Hoje acordei com um dilema: tenho um batizado e um workshop que queria fazer, no domingo, à mesma hora. Claro que isto não é um problema. Tenho a mania de que sou duas, mas não sou. É abdicar e pronto. É escolher e pronto. Mas, como eu tenho a mania de que sou duas, acho sempre que devia conseguir fazer tudo. A mania é uma coisa lixada, o outro lado da depressão. Escolher é sempre ficar triste e ficar contente. E a arte de estar triste e contente ao mesmo tempo não é fácil porque a tristeza cola-se muito; já o contentamento é mais livre, parece uma criança aos pulos num jardim. Cada vez me sinto mais assim, entre a criança aos pulos e a outra que chora porque aquela coca-cola é a última do deserto e o mundo vai acabar se não for para ela. 

Dou sempre poucos ouvidos ao meu lado birrento porque me compromete, mas um puto quando faz uma birra está só a testar os limites da pessoa mais importante para si e a atestar a sua importância no mundo. É muito mais simples do que aquilo que parece. A pessoa que leva com a birra deve sentir-se privilegiada. No meu caso ainda mais, porque faço poucas (uma competência minha a desenvolver). A verdade é que vamos fazer birras a vida toda, de formas rebuscadas, porque as birras à séria só moram nos 3 anos (uma pena!).  Cada vez sou mais honesta com o que sinto, não tanto para os outros - às vezes sinto-me mesmo uma impostora dos afetos - mas para mim, o que já é um princípio. 

Não se pode ter tudo, é uma merda que me lixa na vida real. A vida é mesmo uma sequência de escolhas, um quadradinho depois do outro nesta história, um story board que nos obriga a parar em cada momento e a seguir em frente em cada outro, até à palavra FIM. Um drama esta vida! (escrever na fase TPM do ciclo menstrual é divertido...)

Por que não se pode ter tudo? Tem de se poder ter tudo! Vou ser sempre inconformada, uma falsa aceitante do destino. Mas, se não fosse assim, tinha aceitado, por exemplo, a condição de doente crónica que a mim não me serve. Vão chamar doente a outro! 

Moram pelo menos 9 pessoas neste post, só de conversas/situações desta semana, mas a verdade é que só estou a falar de mim. Sei que querer tudo é o mesmo que não querer nada, não arriscar escolher, não arriscar perder, não arriscar ganhar. Mas querer tudo é também fazer uma grande ginástica para acreditar em coisas impossíveis. E qual a piada de acreditar em coisas possíveis?

Se o que é um dia, no outro pode deixar de ser, o que não é num dia, no outro também poderá vir a ser. Não se conformem. É essa a luta de que o mundo precisa. Noutro dia logo venho aqui falar em aceitação. Hoje não. 


Que seca!!!! #asérioRita?? #voualiserfeliz

quarta-feira, 8 de abril de 2015


Chove lá fora. Toda a gente se queixa deste tempo menos eu. É assim aquela gratidão pelo mundo deitar as lágrimas todas que tem de deitar e me deixar beber da nostalgia de estar assim-assim. Assim contente, assim triste. 

O Inverno não fechou a porta e a Primavera só abriu as janelas. Não sei se ria não sei se chore e, por isso, sorrio, porque este tempo também não está para revoltas. Voltei ao chá, voltei à manta, voltei aos livros, voltei aos pensamentos sem fim. 

Nasci cheia de perguntas. E, na verdade, não gosto de respostas. Porque não gosto de fins. E são as perguntas que me movem, são as perguntas que me inquietam, são as perguntas que me empurram para a frente, quando estou estarrecida no mesmo lugar. 

Melhor do que as perguntas, só mesmo as respostas. Mas, essas, guarda-as para ti. Porque não gosto de fins. 












Ontem foi o Dia Mundial da Atividade Física e hoje o Dia Mundial da Saúde!

Para o próximo ano faço votos de que cada vez mais a saúde seja vista de uma forma integrada, que se olhe para a pessoa nas suas várias dimensões e não só nas suas partes. Anda por aí muita gente com partes perdidas, desconhecidas ou dissociadas. Claro que podemos focar-nos ou escolher agir só no corpo, só na mente, só no espírito, mas não podemos não saber ou agir como se as partes fossem dissociadas ou como se fôssemos desmembrados do corpo, do pensamento, das emoções ou da alma. (Por isso entendo que os eixos mais importantes são a Saúde e a Educação!)

Que a saúde seja cada vez mais focada na pessoa e menos na doença. Eu adoro entender a patologia e a dor, mas isto só pode ser interessante se for para resgatar a saúde e o amor. Fascina-me esse caminho e por isso partilho a minha construção. Acredito que os médicos precisem de finais felizes para continuar o caminho (a médica da Dani já saíu do IPO e a do meu pai está de saída). Para mim o final é mesmo o menos importante quando nos focamos na pessoa, mas essa é a minha fórmula para aceitar os finais infelizes. Tenho a esperança, no entanto, de que uma saúde focada na pessoa se traduza em mais foram felizes para sempre, não que a vida seja um conto de fadas, mas para que a vida não se transforme, tantas vezes, num filme de terror. A realidade está no meio. A virtude também.

Ontem numa aula minha de Pilates (atividade física), quando disse que era psicóloga (saúde):

Ela: Ah, a Rita tem dois amores!!!

Eu: Na verdade não são dois porque o corpo não anda separado da cabeça. Quanto mais trabalho com pessoas, mais sinto isto!




terça-feira, 7 de abril de 2015

Vou começar já por dizer que... o homem da minha vida não é o cancro. Só assim para abrir. Aliás, não tenciono largar o homem da minha vida, embora tenha medo de não o conseguir reconhecer, se ele der o ar da sua graça. Não venhas num cavalo branco, traz antes neóns a piscar! E uma tabuleta com o meu nome, vá... sempre quis ver o meu nome nas chegadas do aeroporto! E põe o nome todo, porque eu posso não acreditar... mas não digas nada, porque eu não gosto muito de cenas em público... Ok, estou a pedir muito!

Mas, apesar da violência doméstica aqui nestas paredes e da guerra que foi para me ver livre dele, tenho muito a agradecer ao cancro. Hoje sei que o cancro era só uma parte minha danada e triste e por isso não lhe fiz mais frente. Às vezes são só as nossas partes mudas a precisar de falar, porque ser mudo é só falar para dentro. Ou precisar de silêncio. E está tudo bem.

Depois do cancro se ter passeado nas minhas veias, tudo ganhou um sentido mais profundo, intenso e, ao mesmo tempo, simples. Qualquer sensação é quase uma experiência espiritual. Talvez o cancro seja só uma droga. Da boa. Agora não consigo dissociar o corpo da alma porque cada raio de sol que me aquece a pele a minha alma agradece. Agora não consigo não me entusiasmar e não me apaixonar por cada sorriso que a vida me arranca. Passei uns meses em estado de graça, apaixonada pela vida. Depois voltou tudo, a realidade, o stress, as responsabilidades e lá se foi a paixão!

Neste momento, ainda em reconstrução, estou no caminho de sentir que é compatível, que a vida não tem de pesar, que ser adulto não é na verdade uma seca, como a família, a educação, a tv e tudo o que nos rodeia às vezes nos faz querer parecer. Ser crescido e responsável é ter o privilégio de escolher e poder ter o que se escolheu.

Não há maior liberdade do que a da cabeça, como diz a música. O coração, esse, é sempre livre, com ou sem "dono". Tudo bem, só não pares de bater!

segunda-feira, 6 de abril de 2015


Sou professora de Pilates e gosto de metáforas e linguagem simbólica, às vezes como ferramenta de transformação e intervenção, outras vezes como fuga. Às vezes para aproximar, outras para afastar. Há sempre dois bicos. 

Um dos princípios do Pilates é o de oposição. Tem de haver sempre oposição, um ponto fixo, enquanto o outro se afasta ou aproxima, tanto no trabalho de força como no de flexibilidade. Mesmo no trabalho isométrico, com as duas pontas à mesma distância, com a respiração, conseguimos criar oposição, não no sentido do desequilíbrio, mas precisamente do equilíbrio, dois pratos da balança alinhados, com o centro forte. 

É precisamente a instabilidade que desafia o centro, que desafia os músculos internos/estabilizadores e os fortalece, uma instabilidade de alguma forma sustentada (q.b.), para não haver lesão. Um centro forte - CORE (do latim cor - coração) - é um centro estável, para lá de todos os desafios que venham destabilizar. 

A estabilidade era o reto principal da geração dos meus pais. E eu cresci muito resistente às mudanças, como boa taurina. Não sei em que ponto da minha vida mudei o disco, mas acho que sempre tive as duas necessidades (sou orfã de irmã gémea, sinto sempre duas em mim, que ainda por cima falam uma com a outra; depois do cancro, assumi esta esquizofrenia. E nasci no mês 5, número da mudança.).

Durante algum tempo, achava que estava errada, que o meu cv era uma manta de retalhos, que estou sempre com um pé de fora das coisas e das relações, que não me deixo pertencer a nada, que não consigo estar muito tempo num sítio, que devia ter um percurso "sólido". Sou péssima em equilíbrios e pirouettes, mas passo a vida à procura do equilíbrio e a ajudar os outros, no alinhamento, na colocação (postura), estabilidade, força e flexibilidade (contração e expansão), no corpo e na alma. 

A minha mãe diz que não termino as coisas que começo, que estou sempre entusiasmada e me perco no caminho. A Dani diz-me o mesmo e só me conhece há dois anos. A verdade é que tem de haver sempre um fio condutor e EU, pelos vistos, já nasci com o chip para enfrentar a crise, que não é mais do que uma proposta de mudança! Não impede o medo, não impede a queda, não impede que doa, mas permite que seja coerente na incoerência (uma "instabilidade estável", como dizia o meu terapeuta) e que, em determinados momentos, só queira voltar a casa, em segurança, no conforto e no quentinho - tem dias - dos meus lençóis. Pés no chão e cabeça no ar. EU. 

Por isso é que este blog é uma casa tão especial, o fio condutor da minha cura, um compromisso com fidelização, que me mantém alinhada, focada e me sossega (sobretudo me sossega). Era para ser um ano, já fez 1 ano e 7 meses. Sei que sou capaz de ficar, de estabilizar, de construir e que é bom. Sei que preciso deste compromisso e que estejam comigo. E sei que a estabilidade, como no corpo, deve ser dinâmica e não rígida, porque só assim nos tornamos fortes e flexíveis ao mesmo tempo, como eu passo a vida a dizer nas aulas de Pilates. Se há desafios, desconstruimos, mas a contrução essa é para sempre. Já não me crucifico, sou como sou e acredito que como o mundo precisa que seja.

E chegaram as amêndoas!
Boa Páscoa!

domingo, 5 de abril de 2015


I yam what I yam and tha's all what I yam.

Tenho para mim que as pessoas que não tiveram cancro olham para as que tiveram como super-heroínas com super poderes para lidar com o sofrimento e as adversidades, até porque todos acham que nos enfrascamos em sumos funcionais de espinafres e somos uma espécie de Popeye! Se gostarmos de amendoins então, somos um híbrido de Popeye com (Super)Pateta, que deve ser onde me encaixo... 

I'm strong to the finish, 'cause I eats me Spinach.

O meu plafond de tolerância à frustração vem na mesma medida que o de todo o comum mortal (só resisto mais a morrer!). A diferença é que os níveis de tolerância ao sofrimento estão nas lonas, tendo em conta que os esgotei nos últimos tempos e não tenciono renová-los. Já chega! Não me lixem! Obrigada! #voualiserfeliz

That's all I can stands, cuz I can't stands n'more!

(Popeye)


(fonte imagem e citações: google)



Onde estão as amêndoas?? Boa Páscoa! #lastcall


O difícil de ser cuidador ou lidar com a dor dos outros é o sentimento de impotência. Na tentativa de ressuscitar a alegria, sai tudo quanto é frases apaziguadoras que ainda fazem a pessoa sentir-se pior se a paz está a quilómetros de distância. Outras vezes são mesmo as palavras que apaziguam a única coisa de que é preciso. A maior parte das vezes dispensa palavras. Tenho dificuldade em dizer a quem quer que seja "Vai correr tudo bem" com medo de estar a mentir porque, na verdade, eu não sei mas, ao mesmo tempo, a mim disseram-me muitas vezes "Vai correr tudo bem!", como que a dizer "confio em ti para ultrapassares isto!" ou "tu és capaz!" ou, no desespero, "vai correr tudo bem porque não aguento que seja de outra maneira." A Rita durona diria "Orienta-te que temos muita coisa para fazer!" mas aprendi neste processo a baixar as armas. Às vezes é preciso baixá-las, outras vezes utilizá-las, a ferro e fogo.

Sou boa com lágrimas, acho tudo o que tem a ver com emoções o mais bonito que temos, porque é honesto, mas não me chorem os meus! As lágrimas da minha mãe são as que mais me mexem com o sistema. Aliás, acho que as minhas lágrimas e as dela são feitas do mesmo e têm um único botão para ligar e desligar. Mas sei que são as dela, não são as minhas. Eu não consigo dizer "Vai correr tudo bem." mas eu sei que está tudo bem, mesmo quando está mal; que cada pessoa está no seu processo de crescimento e cura e que vai correr tudo bem, mesmo que o final não seja feliz, porque tudo está no lugar que tem de estar; que vai correr tudo bem porque, mesmo que as coisas não corram como se quer, acredito na capacidade da pessoa transformar a experiência e se superar. Não admito um universo menos perfeito do que este, em que tudo esteja a acontecer como tem de acontecer, a ir para onde tem de ir. É a minha fórmula para lidar com a realidade.

Às vezes não digo "Vai correr tudo bem" por sentir que não está nas minhas mãos e depende da própria pessoa, mas - bolas! - se aceitamos carregar com uma cruz, no mínimo, temos o direito a acreditar na ressureição! E ao terceiro dia tudo vai estar bem, tudo vai recomeçar. Era uma vez a vida...

Boa Páscoa!

P.S. Comam amêndoas de chocolate! (ou as que preferirem!)

O meu xi-curação hoje para: Mãe, Dani, Tia Lena, Madrinha Silvéria
Quase


Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Mário de Sá Carneiro

Este poema acompanha-me desde a adolescência e revisita-me o pensamento algumas vezes, quando me assalta a nostalgia. O paradoxo dos sonhos que se tornam dolorosos e do prazer da dor do não vivido. O que não se alcança tem a magia do inalcançável e é muito português isto: que piada teria o D. Sebastião ter regressado? Eu diria, com base na minha experiência pessoal, que a única forma de não beber do sofrimento é experienciar coisas boas e experimentar gostar delas. Parece simples, mas não é. Também conquistámos meio mundo e depois nicles... nunca poderíamos conquistar o mundo inteiro, sob pena de não parirmos um Camões e tantos outros que se seguiram!
Eu diria que a dor é a maior das companhias. E diria que o amor é a melhor das companhias. 

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