Maria Clara Callil, brasileira, 24 anos, é diagnosticada em Agosto 2012 com linfoma não-hodkin, seguindo-se seis meses de quimioterapia com internamentos sucessivos. Partilhou toda a experiência no seu blog, inclusive a recuperação, a qual decidiu viver a viajar, com o seu marido, durante um ano. Expondo o seu processo, chegaram-lhe várias reacções, desde pessoas que se inspiraram e que retiraram o melhor da sua experiência a outras que a julgaram e atacaram com juízos de valor. Hoje ela decide continuar, mantendo a sua vida na esfera privada.
“Quanta futilidade. Acompanhava seu blog durante seu tratamento, pois na época meu filho também estava em tratamento. Ele não teve tanta sorte quanto você. Hoje tenho certeza que está no céu, levando a alegria para todos. Penso que você deveria dedicar sua vida a coisas mais úteis, agradecer a Deus e a seu dinheiro por estar viva e nunca se esquecer que a coisa mais comum numa pessoa que já teve câncer é a recidiva. Portanto bola prá frente, mas pés no chão, afinal a vida é curta e sempre dá para ajudar os outros de forma positiva e dentro da realidade brasileira, ou seja sem muita frescura. Boa sorte.” (uma leitora do seu blog)
Abrir-nos ao mundo é escolher receber o
que vier, o bom e o mau. No meu caminho, com todas as opções que fiz, não tem
sido fácil manter-me focada e alinhada, com tanta gente que supostamente quer o
melhor para mim a tentar desviar-me para aquilo que seria ou é eventualmente o
seu caminho, de medo e “juízo” (que não significa necessariamente consciência),
porque afinal de contas tenho uma doença “grave”, “sem cura”, “crónica” e que
me deixa mais "vulnerável"… Pois, mas estes preconceitos estão na cabeça e no
inconsciente de todos nós e determinam a nossa realidade. Eu escolhi ser
saudável e não aceitar o estigma da doença depois da doença porque, afinal de
contas, já não me sinto doente e as contas são minhas, não dos outros. Não
quero mais sofrimento, mais dor, não mereço, nem tenho de voltar a passar pelo
mesmo só porque já lá estive. Se decidir isso e escolher viver isto é mal
entendido pelo mundo dos incapazes da felicidade, é problema dessas pessoas, e
essas frustrações – atiradas para cima de nós – devem ser devolvidas ao seu
lugar: a senhora está a dizer que não consegue ser feliz e não aguenta ver
ninguém feliz se o seu mundo acabou com a morte do seu filho. Como podes andar a viajar e a celebrar o amor e a vida quando devias
estar a viver no medo e na sombra da doença ou até mesmo ter o mesmo destino
que o seu filho? Como ser feliz depois de ter tido um cancro – ou até durante o
mesmo, quando anda meio mundo infeliz? Espero que essa senhora consiga
recuperar a alegria de viver e aceite o caminho do seu filho, como dele,
pessoal e intransmissível. E espero que nós consigamos manter-nos íntegras e
saudáveis, devolvendo à origem todas as energias negativas que nos enviam,
resultado de medos, invejas, rancores e inconsciência. Mas temos de aceitar que
isso faz parte da vida e de nós. A exposição não nos traz só o amor e o
carinho, mas tudo o que por aí anda. A “boa vida” faz comichão a muita gente
que não se permite ter uma vida boa.
Sobre essa
ideia de fazer "coisas úteis" ou "dedicar a vida a coisas úteis"... De que utilidade estamos a falar?
Não é essa utilidade a verdadeira futilidade? Faço porque é "útil" e
não porque o sinto verdadeiramente... E se aquilo que preciso de sentir
verdadeiramente é a sensação da areia nas mãos ou a água do mar no corpo, a
essência da matéria? Que utilidade isso tem? Posso dizer que a nossa cura é a
coisa menos fútil e superficial deste mundo e ai de quem diga que não, mas só quem ousa fazer uma viagem para dentro sabe do que falo! E o dinheiro, se for
utilizado em nosso benefício, é sinónimo de futilidade? Não é essa a sua
utilidade? Em que parte desta história inventaram que a vida deve ser vivida em
prol dos outros e em que parte da história nos habituámos a ser os outros da
nossa própria vida? Amor pelos outros sem amor próprio é amor de mentira! É
desespero, à espera de retorno...
Essa
história da utilidade é uma tanga. Se a vida deixar de fazer sentido sem
emprego, sem saúde, sem marido e filhos e sem dinheiro, ou seja, se não for uma
cidadã produtiva e rentável, literalmente contribuinte, e não cumprir com o que
se espera de uma pessoa bem sucedida, dou já um tiro na cabeça, uma vez que nem
o cancro foi lá muito eficiente nesse sentido…
Não será útil ser feliz? Ou será (f)útil ser feliz? Sim, queremos
sentir-nos úteis mas a utilidade não há-de ser um fim por si só porque ser útil
por si só, para mim, é inteiramente fútil.
P.S. Ainda
assim, ainda aspiro a alguma utilidade nestas palavras… e afins... nem teria este blog senão fosse útil, mas não vamos discutir o que a sociedade considera útil e/ou fútil...
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