segunda-feira, 30 de maio de 2016


O dia chega ao fim das 24 horas e entro pelas horas do dia seguinte com as tarefas do dia anterior. Isto perpetuado por vários dias resulta numa incapacitante rotina de frustração e ansiedade porque acabo por andar atrás do prejuízo. E então penso, das duas umas: ou me programei para um dia de 36 horas ou me assumi como uma pessoa com mais capacidades. Acredito que um dos erros será não contar com as horas de refeições, as horas de descanso e as horas de lazer como parte dos deveres e afazeres porque, se as contabilizar devidamente, ou tendo em conta a devida necessidade de que sejam contempladas, não haverá margem para expectativas desajustadas à realidade. 

Irrita-me profundamente ir a uma consulta médica e ter de esperar 2 horas para ser atendida porque algo me parece muito errado nisto. Numa urgência sabemos que a imprevisibilidade da situação nos obriga a aguardar. Mas uma hora agendada não deveria constar de uma programação com margens de erro bastante inferiores a 2 horas? E, se se repete sempre, por que se continuam a marcar consultas de 20 em 20 minutos que nunca acontecerão nas horas previstas? Se há anos e anos que é assim, por que se mantém assim?

Ora, é essa a pergunta que me faço a mim mesma! Os compromissos que assumo com os outros devem ser cumpridos e são, porque, na verdade, o tempo para as minhas coisas não vem na agenda. Por isso este tempo encaixa-se nas sobras que muitas vezes não sobram. E é assim que, por exemplo, este blog vai ficando para trás, bem como outros projetos pessoais/profissionais. Como um paciente à espera de consulta. Até ao dia em que me pergunto: mas, se já sei que é assim, quero manter-me assim?

Casa de Santa Maria - Cascais (Foto: J. Moura)

Uma das coisas positivas das consequências negativas dos tratamentos é que as minhas capacidades não estão iguais: preciso de descansar mais, não consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo e a ansiedade passou a habitar os meus dias e, principalmente, as minhas noites como uma espécie de sentinela. É que não me deixa descansada de tão bem que cumpre esse papel!

Ora, se antigamente podia saltar por cima das minhas necessidades de descanso, lazer e alimentação, hoje em dia o que acontece é que, se não durmo, chego às 14h e já não estou capaz de produzir nada. Se como a mais ou a menos, também não perco peso. O corpo faz-me parar e, efectivamente, não dá para contornar nem esticar a corda. Acabo por chegar ao final do dia a entrar pelas horas do dia seguinte com as coisas pendentes. Uns chamar-lhe-ão velhice. Eu chamar-lhe-ia inteligência. É o próprio corpo a desenhar os limites que não vêm na agenda.

Isto é uma situação nova na minha vida? Não é, já antes do cancro era assim, mas agora é gritante, até porque as rédeas estão mais curtas (relativamente à minha capacidade de resposta) e a consciência também é outra. Sei perfeitamente como não quero estar. 

Não acredito muito em sintomas desadaptados e acredito que a ansiedade que nos prepara para a resposta de fuga vem alertar-nos para os perigos que nos rodeiam. Se, neste aceleramento, conseguimos sempre distinguir os estímulos perigosos dos inofensivos e até dos que nos vêm ajudar? Talvez não haja clareza suficiente para isso mas eu, ainda assim, acredito que, se o coração dispara, ele sabe o que está a fazer e é importante sentir o que nos quer comunicar. Se a resposta não vem logo, pelo menos podemos perguntar...

É o tempo, o tempo que urge. São as expectativas, as expectativas dos outros e as nossas. É o dizer que sim e o não dizer que não. É o dizer que fica para depois, sem falta. É a falta de tolerância e de amor em causa própria. Não adianta mudar o "tenho de" para "vou fazer", se as coisas que for fazer não couberem no tempo. Há que essencialmente fazer escolhas e deixar cair expectativas. Deixar que fiquem tristes, deixar que se desiludam, deixar ir. 

E as coisas cabem sempre no tempo. Mas, já que cortámos o tempo às postas, vamos fazer menos em mais tempo em vez de mais coisas em menos tempo. Não faz sentido nenhum querer fazer mais em menos tempo. Imaginem a vida a correr... A vida corre, corre e acaba mais depressa de tanto correr! Agora imaginem a vida em passo de caracol. A vida arrasta-se lentamente e o tempo sobra até para viver! Mais e melhor. 

Acredito que precisamos de dinâmicas diferentes, tempos diferentes, uns mais rápidos, uns mais lentos, até porque, por alguma razão o nosso sistema nervoso autónomo tem duas frentes, a simpática e a parassimpática, mas é preciso equilibrar e andar sempre atrás do tempo não é equilibrado. 

Quantos pacientes-projetos/sonhos temos na sala de espera a aguardarem que os consultemos? Vamos atendê-los sempre com horas de atraso? Que escolhas temos de fazer para sincronizar o que somos com o que temos em determinado momento? 

Vou dormir e amanhã continuo... ou não...

domingo, 22 de maio de 2016


Hoje em dia somos incutidos a vibrar na melhor versão de nós próprios, a sermos essa versão, procurando ser cada dia melhores. Eu também reclamo essa busca. Mas, como em muitas outras coisas, é como diz o Miguel Sousa Tavares, no título do seu livro: "Não se encontra o que se procura." E tantas vezes o que se procura é exactamente o que nos escapa pelas mãos, incessantemente, de tanta força e pouco jeito. De tanto esforço e nenhuma naturalidade. 

Nada contra ser melhor ou melhorar - muito pelo contrário - mas eu diria que procurar ser melhor também pode significar, tantas vezes, deixar de Ser. Esta semana discutiu-se muito as trombas da Inês Castel-Branco nos Globos de Ouro. Não vou comentar o momento em si porque não vi ou não reparei, mas posso dizer, à partida, que foi o meu vestido preferido daquela gala. O que tem isso a ver? Para o que quero dizer, nada. Mas, independentemente da situação, eu acho que aguentamos muito pouco as trombas uns dos outros - era aí que eu queria chegar! E eu sou uma das que se passa com trombas nas pessoas que trabalham no atendimento ao público, por exemplo, mas também porque faço um esforço - lá está o esforço - para os outros não levarem com as minhas próprias trombas, que guardo para as pessoas especiais. 

Claro que um sorriso não paga imposto e pode abrir portas, de dentro para fora e de fora para dentro. Mas quem é que faz ideia do que se passa na vida e no coração de uma pessoa que não está a sorrir ou que não está no seu melhor? Como saber que a pessoa não está no seu melhor, naquele momento? Por que pode uma cara (mais) feia ferir tantas susceptibilidades? 

E se aquela pessoa não esteve no seu melhor? E se aquela pessoa teve apenas um momento verdadeiro? E se aquela pessoa estiver mesmo no seu melhor, naquele momento? E se o nosso melhor nunca assumir termos absolutos, mas sim relativos - ao contexto, ao momento, a mil e um factores que não são tangíveis para os outros? 

Não acho que tenhamos de entender as trombas de meio mundo nem que tenhamos de levar com elas, mas pergunto: Como seria este mundo se caíssem as máscaras?




domingo, 8 de maio de 2016


Dois meses sem escrever... Várias vezes me surge um ímpeto para o fazer, com temas que urgem de situações com que me confronto diariamente, mas não passa do impulso. Se calhar, por não saber em que ponta pegar. São várias as causas que me movem mas cada vez me apercebo mais da importância da relação terapêutica na saúde e essa é um dos temas que me toca mais, nesta história da humanização dos serviços, da humanização dos doentes e da humanização dos médicos e dos técnicos de saúde. Parece uma questão óbvia. Mas não é. Mais recentemente, vou aprendendo sobre isto com o meu pai, que resolveu que isto do cancro ainda tinha cartuchos para queimar... Pois é, o meu pai tem um linfoma não-hodgkin, de nome: Macroglobulinemia de Waldenström. Parece mentira, mas é verdade

A doença do meu pai remonta aos tempos em que fui internada (2012) - não é uma coisa nova - mas o diagnóstico concreto tem apenas um ano e os tratamentos só foram iniciados no passado dia 1 de Abril, o dia da mentira que não era mentira! Anticorpos no hospital de dia e quimioterapia oral. Eu resolvi que era boa ideia lesionar-me na véspera, num ensaio de dança, e fiz um entorse do tornozelo com rotura de ligamentos. Resultado: lá fomos os dois, ele para o tratamento e eu, coxa, para o acompanhar. Valha-me o Tramadol em SOS (mas não façam isto em casa!)! (Mania do protagonismo!) 

Não acho que seja azar ter-nos calhado dois cancros em três pessoinhas (família nuclear) porque considero sempre que há ligações escondidas nas coincidências que nos acontecem. Quando se diz "Logo havia de acontecer...", eu digo "Só podia acontecer..." Não deixa de ser um azar dos diabos, mas o azar é um conjunto de circunstâncias, mais conscientes ou menos, que se reúnem para um resultado... Tal como a sorte.

Continua a ser um bocadinho macabro este filme mas certo é que estamos cá para fazer o caminho, seja qual for a história de dor, o resgate de amor e a aprendizagem que encerre. Mas, principalmente, a oportunidade que se abra. 

Portanto, o cancro continua a estar na ordem do dia e deste blog, com os devidos timings para integrar tudo isto, no meio da vida que continua...


Dançaterapia - CRID

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