quinta-feira, 28 de janeiro de 2016


Estou numa fase acriativa. É verdade que o estado saudável é um estado naturalmente criativo e que a doença é o outro lado da moeda. Não que a dor não tenha inspirado muitos artistas, mas a doença deprime-nos a criatividade quando nos ocupa muito espaço. Tenho andado com sintomas de infeção urinária nos últimos 5 meses. Estou sempre numa aflição que me dificulta a paz para me encontrar, seja na escrita, seja no sono, seja nas coisas boas da vida. Hoje sentei-me com uma caneta e um papel e ouvi-me a mim mesma:

Sossega. Confia. E o teu corpo segue-te. O teu corpo segue-te. Para onde tu fores, ele vai. Às vezes não é fácil perceberes para onde estás a ir e, na verdade, é tão difícil o buraco como a montanha.

Não sei de onde isto veio mas saíu assim da caneta. Neste momento não quero o buraco nem a montanha. Só a planície. O ar. O espaço. A luz. A luz. E o silêncio. 

É curioso como acreditamos que as pessoas que sofrem em vida encontram a paz quando morrem. E ainda por cima quem morre vai para a luz! Mas em que mundo vivemos? Nas trevas? Quero paz, luz e silêncio em vida e por isso vou fazer uma pausa. Sobretudo sentir que coisas tenho de pausar na minha vida e em mim para que esta urgência de urinar não me tolde o discernimento. O sentimento, esse, é de frustração. E, se calhar, tantas mais coisas que não fui expressando, tão ocupada que estava a ser criativa, positiva, alegre e feliz. Tudo verdade. Mas não toda a verdade. 

Já tive muitas macacoas nos últimos dois anos, muita coisa mudou depois dos tratamentos e muita coisa se mistura. Há um estado permanente de alerta que é tão involuntário como esgotante; há uma tendência para toda a gente que está à nossa volta normalizar o que acontece - é tudo normal, como se eu não sentisse a diferença do normal para o diferente que é esta fase pós-quimioterapia-cancro-internamentos-guerra-trinta-por-uma-linha; há muito barulho. A última vez que senti muito barulho foi quando tive de decidir fazer ou não o transplante, continuar ou não os tratamentos. Foi no silêncio que encontrei a resposta. Foi do silêncio que renasci. Vou dando notícias. Sem promessa. Com amor.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016


O coração é capaz de ser o órgão mais importante do nosso corpo. É um tipo resistente e resiliente. O coração é aquele tipo que gosta de ti incondicionalmente, porque continua a bater mesmo quando o trais. Por isso, quando te faltar amor, pensa nisto. 

Talvez com a descoberta do cérebro, o coração tenha perdido protagonismo, mas, na medida em que o cérebro vai ganhando ao coração, vamos perdendo a capacidade de nos ligarmos às pessoas, às coisas, ao que nos acontece e a nós próprios exatamente pelo coração, porque o pensamento prevalece. E aqui já estou a falar da componente fisiológica e da componente magnética/energética do tuntstum. É importante o ritmo cardíaco para a vida e é importante pormos coração nas coisas que fazemos para sermos felizes. Quem disse que é? E o que significa isto?

O coração tem de ser, de facto, muito importante, para o utilizarmos, tantas vezes, de forma metafórica quando nos referimos à melhor versão de nós mesmos: a versão mais amorosa. Quem não sente "não tem coração". Há já cientistas a falar da inteligência do coração. E eu diria que a inteligência do coração é bater, é fazer música, é manter o ritmo, é existir, é não se fazer notar, é correr, é acalmar, é (sent)ir, é viver... é não pensar. 


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016



É hoje! Hoje é o dia da histeria coletiva, porque se fechou um capítulo para dar lugar a outro que diz que vai ser espetacular. É agora que vem aí tudo de bom! Engolimos 12 passas e pedimos desejos como se estivéssemos a jogar no euro-milhões: algum número há-de sair! Na verdade, expirado o ano, são nos concedidos mais 366 créditos - este ano mais um! - e é de celebrar porque esta é que é a verdadeira sorte grande! 

Ele está a dormir, eu estou a escrever e chove lá fora. O chá está quentinho, o chão ainda parece aquele palco inclinado da tv quando me levanto, na cabeça ecoa a última música que ouvi ontem, da Alanis: "Don't forget to win first place. Don't forget to keep that smile on your face.", uma crítica à sociedade competitiva e exigente que fabricámos que não nos deixa respirar, falhar e chorar e depois acertar. Ironia o dia hoje não trazer um sorriso na cara: chora desalmadamente! 

Se calhar é mais a ressaca coletiva do que outra coisa, mas é verdade que se renova o plafond da esperança, 366gb carregando... 2016, 366 dias, vou fazer 36 anos. Espero não me esquecer de ser feliz! 

Ele deu-me a mão e pedi-a de volta para continuar a escrever. Mas, pensando melhor, vou desejar-vos um bom ano e vou parar de escrever. Parou de chover. Chega-te a mim.



INSTAGRAM